Quando André Ventura chegou ao Parlamento, em 2019, abriu-se um novo dilema no espaço público. Falar ou não falar, debater ou reduzir o fenómeno à sua real expressão de um deputado só, foram muitos os políticos, politólogos e comentadores divididos quanto à forma adequada de lidar com a chegada da extrema-direita à casa da democracia. Com a atual bancada de 12 elementos, o Chega tornou esta dúvida ultrapassada. Ganhou espaço de intervenção, tempo (literal) de antena, capacidade de fazer barulho.
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Tornou-se, além disso, um partido do qual o PSD não consegue distanciar-se. Mesmo quando, como por estes dias em entrevista fez o líder parlamentar, tenta sacudir a alegada "especulação". Sobre acordos, Joaquim Miranda Sarmento não conseguiu ir além de um "nem sequer sabemos se vai acontecer". Porque o PSD sabe que, na atual configuração de forças, não conseguirá ascender ao poder dispensando o Chega.
Além de encontrar terreno fértil para o seu discurso populista nos casos que abundam nos partidos do arco de governação, o Chega é hábil a usar todas as ferramentas e mais alguma no palco político. No sentido mais teatral do termo, como foi a cena dos cartazes com a fotografia de Catarina Martins empunhados após a votação contra o levantamento da imunidade à líder bloquista. Ou como é a tentativa de deslocar para o plano criminal um combate que é político.
Não admira que o presidente da República continue a ser cauteloso quanto ao cenário de eleições antecipadas e a advertir para a falta de alternativas claras. Porque a questão é exatamente essa: não estamos a vislumbrar alternativas sólidas, credíveis e muito menos entusiasmantes que apontem aos portugueses formas novas e construtivas de estar na política. O Parlamento já foi o espaço em que figuras marcantes da nossa democracia sonharam e construíram o país. Hoje acolhe deputados a mais, que não respeitam os valores democráticos nem a própria Assembleia. Este não é um problema deles, é nosso. Falar ou não falar já não é questão: o debate esclarecido é essencial para perspetivarmos, coletivamente, que Parlamento e que democracia queremos.
*Diretora