No meio de uma das maiores crises da sua história, o país entreteve-se com uma telenovela. Presidente da República, primeiro-ministro e ministro das Finanças alternaram entre sinais públicos de amor e mensagens de bastidores para mostrar quem manda.
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Tudo começou com a promessa feita, e repetida, na Assembleia da República pelo PM, de que não existiriam mais transferências do Estado para o fundo de resolução pagar ao Novo Banco sem estar concluída a auditoria aos créditos concedidos ao longo de 18 anos. Promessa não cumprida pelas finanças. PM e MF, ao mesmo tempo que reduziam tudo a falta de comunicação, "acusavam-se" mutuamente: enquanto o PM dava a entender que as Finanças não teriam cumprido as suas instruções, o MF dizia que a transferência tinha sido aprovada por todo o governo e seria até irresponsável não a fazer. Entra em palco o presidente da República. No surpreendente contexto de uma visita a uma fábrica de automóveis o primeiro-ministro anuncia o seu apoio (ou do seu partido?) à recandidatura do PR e este, agradecido, manifesta o seu apoio à posição do PM. Os jornais hesitam entre seguir a pista do episódio anterior (PR tira o tapete ao ministro das Finanças) ou mudar de telenovela (PR confirma recandidatura em fábrica de automóveis após PM anunciar o apoio socialista). PR e PM esperariam que isto fosse o final, mas o ministro das Finanças não aceitou o papel de vilão. A saída do ministro das Finanças, e presidente do Eurogrupo, no meio da atual crise e de negociações europeias não era de todo aconselhável. As pazes vieram com fotos sorridentes e a confirmação de que faltou informação mas o MF tinha razão. O PR também deu uma ajuda. Mas enquanto fontes (próximas das finanças) dizem que pediu desculpas, fontes (próximas de Belém) dizem que apenas esclareceu um equívoco.
Eis a política portuguesa no seu pior: quanto ao fundo, nada. Não sabemos hoje mais do que sabíamos antes sobre o Novo Banco. Nem serviu para mais e melhor escrutínio e transparência. O que conta é a pontuação artística. Tática e ilusionismo. Declarações dos agentes políticos interpretadas, por eles próprios, através de declarações "sem nome" dadas aos jornalistas. A criação de factos políticos que se sobrepõem às questões políticas que o país enfrenta. Em que os problemas políticos parecem ser os problemas dos políticos e não do país. São palavras duras. Serão injustas? Ficaremos a saber dentro de uns meses. Se a escolha do candidato a presidente da República do principal partido parlamentar e do futuro governador do Banco de Portugal forem o preço do bilhete para este "final feliz", não haverá injustiça no que escrevo.
* Professor universitário