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O presidente da República pediu a quadratura do círculo aos partidos subscritores do memorando de assistência financeira a Portugal. Com o país pertíssimo de um trambolhão num precipício, Cavaco Silva fez profissão de fé no "Compromisso de Salvação Nacional". Assim como assim, mesmo socorrendo-se de uma leitura algo enviesada dos poderes presidenciais consagrados na Constituição, talvez PSD, PP e PS se assustassem com a perspetiva de agravamento da ideia generalizada de irresponsabilidade atribuída aos seus dirigentes pelos potenciais eleitores. Talvez usassem de franqueza e sentido de Estado.
Belém aspirou ao impossível - e não sendo propriamente um ingénuo, Cavaco Silva terá visto no desentendimento previsível a hipótese de também readquirir popularidade e reocupar o centro de decisão no país. E é assim que estamos....
O triunvirato de todos os cenários realistas do arco da governação sentou-se à mesa num faz-de-conta negocial ao qual se juntou um observador da Presidência da República. O simulacro entreteve toda a semana. E teve o fim previsível, embora espante não ter sido anunciada a rotura por quem lançou o repto para o entendimento (Cavaco Silva), mas sim por uma das partes (o PS, via António José Seguro).
O falhanço do "Compromisso de Salvação Nacional" - infeliz designação - deu entretanto origem a uma nova novela: a do passa-culpas, sustentada nos documentos base para a "negociação" divulgados por PS e PSD. Enquanto o CDS nada mostra, as 11 folhas do PS e as oito do PSD (em terceira versão) são no essencial paradigmáticas de visões antagónicas genéricas.
Os documentos difundidos por PS e PSD são meras peças instrumentais de um jogo político.
Para se destrinçar a boa-fé do taticismo puro e duro dos encontros tripartidos, seria necessário ter-se acesso a algo inexistente, ou desconhecido até agora: as atas das reuniões. O seu simples esboço terá pertencido, acredita--se, ao secretário da mesa, perdão, ao observador representante do presidente da República e só ele, verdadeiramente, estará em condições de apresentar uma narrativa, como dirá Sócrates, contendo a versão fidedigna, mas impossível de ser rubricada por todas as partes envolvidas. Embora o documento do Partido Socialista simplifique a análise ao referir que "não há acordo sobre nada, enquanto não houver acordo sobre tudo", c'os diabos!, os negociadores terão partido alguma pedra!
A verdadeira história, pelo sim, pelo não, será conhecida mais tarde.
A comunicação de logo à noite do presidente da República tem, pois, nova acuidade. Não sendo crível que divulgue a ata dos encontros de uma semana alucinante, fazem-se agora apostas sobre qual a decisão que anunciará. Trata-se, evidentemente, de um exercício interessante, entre o cínico e o preocupante. Após o falhanço do "Compromisso de Salvação Nacional", ainda há emenda? Cavaco já não parece capaz de nos lançar um colete salva-vidas sem remendos.