Como era de esperar, a maratona negocial do último Conselho Europeu terminou sem acordo. Fechar um orçamento plurianual da União Europeia para um período tão largo como o que se estende de 2014 a 2020, com 27 países na mesa das negociações, não é tarefa fácil.
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O período de incerteza que se vive na Europa e a proximidade de eleições na Alemanha, só ajudam a aumentar a dificuldade. Mas não se pense que, apesar destas circunstâncias, foi muito diferente a situação em anos passados. A questão de fundo é sempre a reação dos eleitores dos países que são contribuintes líquidos quando chega a hora de pagar. Qualquer dos líderes políticos que se sentam na mesa do Conselho sabe que quando se levantar e mesmo antes de regressar ao seu país, vai ter uma bateria de jornalistas a quem terá de explicar em pormenor todos os fundamentos da sua decisão. E aqui, genericamente, todos são iguais - o resultado final das negociações é, para cada um, sempre uma vitória.
Não tenho memória de alguma vez um chefe de Governo ter reconhecido publicamente, depois destes conselhos europeus, que as coisas não lhe correram bem. E mais. Já aconteceu com alguns deles ausentarem-se temporariamente da sala para passarem informalmente indicações para o exterior dando conta dos seus sucessos. Não posso esquecer o "ralhete" de Jacques Delors aos chefes de Governo, a que assisti, alertando para a perturbação que esse comportamento trazia aos consensos que era fundamental serem encontrados. Presenciei-o quando, na qualidade de relator do Parlamento Europeu para a reforma dos Fundos Estruturais, acompanhei o presidente do Parlamento que fora convidado excecionalmente a participar nesse conselho.
Portanto, o adiamento duma decisão final em matéria tão delicada como esta não é senão o habitual. Faz parte do jogo negocial de cada um face aos seus pares e do jogo político para consumo interno.
No que a Portugal diz respeito, o que importa é saber como vai o Governo reagir à situação de corte previsto no pacote financeiro que nos é destinado. Para já, Paulo Portas primeiro e Passos Coelho depois, disseram aquilo que tinham que dizer nesta fase - a proposta é inaceitável. Um corte que segundo as estimativas do Governo poderia chegar aos 16%, a acontecer, deixaria o primeiro-ministro ainda mais fragilizado. Contudo, a circunstância de o orçamento comunitário ter de ser aprovado por unanimidade permite a Portugal ter uma força negocial que em nenhuma outra situação consegue.
Claro que na fase difícil que o país atravessa as transferências financeiras da União Europeia têm uma relevância acrescida. Mas muito mais do que o envelope financeiro que, sem dúvida, contribui para aliviar o nosso aperto, a sua importância advém sobretudo da obrigatoriedade de aplicar os meios do Fundo de Coesão nos precisos fins a que se destinam. É a garantia de termos até 2020 um volume considerável de investimento financiado a 85% (a confirmar-se este passo positivo face aos previstos 75%), sem que os governos possam desviá-los para outras iniciativas.
O que está em causa são mais os egoísmos dos países mais desenvolvidos manifestados para consumo interno, do que a relevância das suas transferências financeiras para o orçamento da UE. Os grandes contribuintes líquidos, como a Alemanha, o Reino Unido, a França ou a Holanda, acabam por contabilisticamente contribuir para a União com menos de 0,4% do seu rendimento nacional bruto, segundo as contas da Comissão Europeia. Mas os PIGS ( Portugal, Italy, Greece, Spain ), os "preguiçosos do sul", não valem o esforço político das justificações que cada um desses chefes de Governo tem de dar aos seus eleitores. Referi o termo contabilisticamente porque na realidade não está a ser tomado em conta o retorno financeiro que resulta para os países mais desenvolvidos, grandes fornecedores de equipamentos e de tecnologia, do investimento feito com os fundos europeus nos países mais débeis. Um estudo nunca validado pela Comissão Europeia, pois retiraria capacidade negocial aos países mais fortes, referia que por cada euro transferido do Fundo de Coesão regressavam aos países contribuintes cerca de 50 cêntimos.
O Governo tem nesta negociação uma arma poderosa - o direito de veto. Cabe-lhe saber usá-lo. Se souber negociar, talvez consiga o balão de oxigénio indispensável para respirar durante mais algum tempo.
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