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A história começou mal e hoje também não promete. Conta a Marquesa de Rio Maior, sobre a primeira viagem de comboio em Portugal, que boa parte dos convidados de D. Pedro V nem assistiu ao foguetório que os esperava no Carregado. Uma das duas locomotivas avariou a meio caminho, e a que sobrou não teve "força para puxar todas as carruagens que lhe atrelaram e foi-as largando ao longo da linha".
Quase 160 anos depois, o problema já não está no comboio mas na ferrovia. Um estudo recente, que escrutinou a frequência da utilização, a qualidade e a segurança da infraestrutura ferroviária, atribui-nos o segundo pior desempenho da Europa.
E, no entanto, já estivemos entre os 10 melhores. A própria rede, iniciada com Fontes Pereira de Melo, é hoje menor que no início do século XX, coisa que faria corar de vergonha o velho António Maria!
A Infraestruturas de Portugal, a nova empresa pública que gere as nossas redes rodoviária e ferroviária, acaba de atirar para cima da campanha eleitoral a intenção de investir 414 milhões na ferrovia, ao longo dos próximos cinco anos, sobretudo em obras de reabilitação. Nada, porém, que acrescente à velocidade e menos ainda às ligações à Europa, para lá dos Pirenéus.
Assistimos, em 30 anos, ao maior desinvestimento de que há memória na ferrovia portuguesa, em contramão com toda a União Europeia. Em nome da sustentabilidade, encerrámos quase mil quilómetros de via-férrea, uma política particularmente devastadora no Norte do país. E, nos anos seguintes, apostou-se quase em exclusivo nos eixos metropolitanos, tendo-se iniciado um dos maiores fracassos da história do caminho de ferro português: a modernização da Linha do Norte, que se arrasta penosamente, muitos milhões e muitos anos depois.
Sim, os Alfa Pendular, que hoje circulam de Braga a Faro, vieram introduzir um novo paradigma de qualidade no serviço ferroviário. Mas são caso solteiro entre os comboios nacionais.
Crescemos em autoestradas o que perdemos na ferrovia. Temos 1,17 quilómetros de autoestradas por cada quilómetro de linha férrea, um rácio várias vezes superior à média europeia. Mas estamos a 2 mil quilómetros dos nossos principais mercados e não há uma tonelada de mercadorias exportadas via terrestre que vá de comboio para lá dos Pirenéus. Vai e vem tudo de camião, não há conversa sobre competitividade que convença o pagode.
Se pensarmos que, até 2020 e só em rendas às antigas Scut, a mesma empresa pública vai pagar (1500 milhões) três vezes mais o valor que se propõe investir na ferrovia, estamos conversados. O comboio vai de carrinho. E com portagem.
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