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A dialética de confronto democrático vem, desde o início da atual legislatura, a ser muito marcada pela problemática do consenso político. Leia-se, entre maioria governamental e o maior partido da Oposição. Leia-se, por "necessidade" decorrente da crise que obrigou e obrigará a políticas de rigor, muito dolorosas socialmente. Numa primeira fase foi o Partido Socialista a queixar-se do que seria a postura altiva e autossuficiente de um primeiro-ministro que se escusava a qualquer tipo de concertação. No último ano foi o líder do Executivo e os partidos da coligação de Governo quem desafiou sistematicamente António José Seguro a sentar-se à mesa de negociações de políticas comuns, acusando-o consecutivamente de irresponsabilidade face à sua permanente recusa. Em simultâneo, o presidente da República pautou o essencial da sua intervenção pública e do seu magistério de influência à volta da tentativa de forçar a concretização desse desígnio.
No seu discurso de 10 de Junho Cavaco Silva chegou mesmo a datar o início do outono como data limite para esse premente acordo alargado. Foi também centrada nessa preocupação/ motivação que convocou e conduziu a recente reunião do Conselho de Estado.
Face à institucionalização deste epicentro na nossa vida pública vale pois a pena refletir sobre a sua pertinência, colocando algumas interrogações para as quais vale a pena ponderar uma resposta sensata e percetível. Esse tal consenso poderia ter sido construído no último triénio? Será possível colocá-lo de pé antes das eleições legislativas de outubro de 2015? E, finalmente, que tipo de consenso é possível e desejável?
Em relação à primeira questão a resposta é óbvia. Não houve nenhuma aproximação de posições porque não existiam condições para ela acontecer. Tal aconchego não era manifestamente necessário e o país não foi prejudicado com isso.
Não era possível percorrer esse caminho porque o Governo, e bem, não estava em condições de ceder um milímetro que fosse no percurso de dureza austera que teve de seguir, Seguro não podia também tergiversar, sob pena de ter tido ainda mais cedo uma rebelião interna anunciada, isto quando tinha que disputar duas importantes eleições nacionais - as autárquicas e as europeias. É pois evidente que a sua institucionalização teria sido um suicídio para um Governo que teria de fazer cedências irresponsáveis, para uma Oposição que teria implodido e para uma democracia que teria aberto a porta e espaço para a afirmação de movimentos extremistas e populistas radicais.
A estabilidade que acalmou os mercados e os credores foi criada à volta de um outro "consenso". O que decorreu do sofrimento de centenas de milhares de portugueses, do atingimento formal de metas governativas e das medidas e discursos do Banco Central Europeu, única instituição europeia que tem estado à altura do caos dos últimos anos.
Quanto à reta final destes quatro anos, o que há a esperar de diferente nesse percurso? Muito pouco, mas o suficiente, se os principais atores tiverem o realismo que o sentido de responsabilidades coletivo exige.
Acordos globais com âmbito programático e com incidência governativa são impossíveis e, mais uma vez, indesejáveis até final de 2015. São impossíveis porque a disputa interna do PS e a afirmação subsequente do seu líder o impedem, porque a proximidade das eleições legislativas e presidenciais quase o proíbem. São também indesejáveis, porque tal daria uma ideia da existência de facto de um Bloco Central que tudo controla. Ora aí estaria de novo uma autoestrada aberta para os extremismos de Direita e Esquerda, ou para movimentos populistas inorgânicos, ainda mais perigosos.
No entanto existem condições para um outro tipo de "consenso", que dê um sinal de corresponsabilização coletiva aos portugueses e que prepare o país para uma quase inevitabilidade: a negociação de uma grande coligação ou de um acordo parlamentar alargado no próximo ano. A isso obrigará a quase fatalidade de nenhum dos blocos com aspirações de acesso à governabilidade ter maioria absoluta em outubro do próximo ano. Ou seja, vamos regressar à paisagem política do início da década de 80 do século passado.
Matérias como a escolha do próximo português comissário europeu, a formatação do próximo quadro de apoio europeu à economia portuguesa, a definição das opções de investimento público de médio prazo e a reforma do Estado na sua vertente menos ideológica estão entre as questões que podem e devem definir o acordo possível.
O último Conselho de Estado conseguiu transmitir a ideia de que este era o trajeto certo e suscetível de ser cumprido. E em tudo isto é inquestionável o mérito do presidente da República, que ainda terá um papel preponderante e decisivo na sua efetivação.