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Esta semana algumas publicações jornalísticas de referência escolheram livros acabados de sair para ler, através de outros ângulos, a atualidade. Essas obras encontram-se num diagnóstico algo apocalíptico do mundo ocidental. Haverá caminhos regeneradores? Nem todos partilham tal otimismo, mas não deixa de ser interessante olhar o Mundo através de perspetivas pouco habituais no espaço mediático.
"How to Rig an Election", o novo livro de Nic Cheeseman e Brian Klaas, fez ontem a capa da revista britânica "The Spectator". Num longo texto escrito pelos próprios, estes dois conhecidos investigadores garantem que "a qualidade das eleições está a diminuir". E não se pense que as acusações se esgotam no escândalo da Cambridge Analytica. Isso, dizem, "é a ponta do iceberg". Há várias empresas dedicadas ao controlo de dados que, depois, são colocados ao serviço de uma eficaz manipulação de eleições. Esse esquema tem já alguns anos e foi ensaiado em várias geografias, embora o assunto tenha sobressaltado o espaço mediático depois da surpreendente eleição de Donald Trump e agora com os conhecidos deslizes no controlo da privacidade dos utilizadores do Facebook. Cheeseman e Klaas defendem que "não se trata de uma empresa ou de um punhado de eleições, mas de um ataque concertado à democracia por uma poderosa aliança de líderes autoritários e empresas multinacionais".
O Mundo está perigoso e cada um de nós vai dando o seu contributo para acentuar uma conflitualidade que não envolve apenas macroestruturas, mas invade permanentemente a vida de todos os dias. No livro "La Méchanceté en actes à l"ére numérique" François Jost explica como o ódio tomou conta das redes sociais, muito favorecido pelo anonimato que o universo digital permite. O conhecido semiólogo francês, com uma ampla obra no campo dos estudos televisivos, detém-se agora na web para lembrar como a crueldade pode crescer a partir de um simples periférico móvel.
Vivendo num Mundo civilizado em degradação, estará tudo arruinado? O polémico filósofo francês Bernard-Henri Lévy prepara-se para lançar uma já pouco consensual obra intitulada "L"Empire et les Cinq Rois". Esta semana, "L"Express" concedeu-lhe a capa e abriu um extenso dossiê sobre o futuro deste Ocidente que parece aproximar-se do crepúsculo. Numa musculada conversa com os jornalistas desta publicação, o escritor explica de que modo os cinco reis (Rússia, China, Irão, Turquia e países árabes propagadores do islamismo radical) ameaçam os EUA e a Europa, um império que já viveu melhores dias, como assegura. Lévy diz que as democracias são, por natureza, anti-intervencionistas e que isso não permite uma grande crença no futuro do Ocidente. Instado a comentar a obra do escritor francês, o ensaísta Nicolas Baverez reconhece que as democracias enfrentam hoje uma enorme crise, mas nesta nova ordem mundial os cidadãos continuam a ser quem mais ordena e, se não se vergarem ao populismo, haverá sempre estrada para andar. O politólogo americano Ezra Suleiman aquiesce num certo triunfo dos antiliberais, mas acredita que o eixo Macron-Merkel pode ser salvífico, mais do que qualquer poder que se movimente de baixo para cima. Este será um modo de ler o Mundo de hoje, mas convém não perder de vista aquilo que realmente acontece.
Há uma semana, Arnaud Berltrame trocou o seu lugar com o de uma mulher feita refém num atentado terrorista em Trèbes. Ontem, "L"Obs" perguntava na capa o seguinte: "O que é um herói?" Na mesma publicação, o historiador Jean Noel Jeanneney lembra que o herói inscreve a sua glória num instante decisivo, incarnando a solidão de uma escolha pessoal e o sociólogo Michel Wieviorka lembra que este militar protagonizou um sacrifício desinteressado e, por isso, representa um herói de tempos mais longínquos, talvez mesmo míticos. É um facto que hoje estes heróis não abundam. Mas existem. E isso permite-nos pensar que o declínio do Ocidente, profetizado há 100 anos por Oswald Spengler, leve uns largos anos a chegar. Porque, acima das estruturas, há exemplos de (alguns) heróis que nos transportam para um futuro auspicioso.
* PROF. ASSOCIADA COM AGREGAÇÃO DA U. MINHO