O crepúsculo laboral e a social-democracia
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Quando saltámos todos, às cegas, para dentro do abismo da inteligência artificial, fiz como os demais: persignei-me e fingi que não era nada comigo. A Humanidade tomou como inevitável a marcha triunfal da IA. Recear a boa nova é inútil. A resistência é vã. Não tardará muito para que fique indisponível uma relação com o Mundo que não seja mediada, colonizada, modelada, pela IA.
Pouco importa que ninharias como a identidade, a verdade, a memória, o conhecimento objetivo, o erro e a incerteza, o estudo e a aprendizagem possam ir pelo cano abaixo. Pouco importa que a IA possa implicar o fim do mistério e do impensado. É uma fatalidade.
Não sei se o "apocalipse cognitivo" em curso, como lhe chama Gérald Bronner, nos tornará, aos poucos, sonâmbulos digitais, fantasmas de nós mesmos. Mas já está a condenar muitos de nós à redundância. Os despedimentos motivados pela IA (ou com esse álibi), começaram: na Amazon, na Meta, na Google... na Altice, que rescindiu, no verão, com 16% da sua força laboral.
Comparar a IA à máquina a vapor é anedótico. Não haverá função que não possa ser desempenhada, ação que não possa ser decidida e criação que não possa ser criada por uma inteligência não humana. A ideia de que no futuro haverá trabalho a rodos para capatazes ou assistentes de robôs, para tratadores de algoritmos ou alimentadores de "chats" é uma miragem.
A social-democracia, que tem a sua génese nos programas de cooperação entre os trabalhadores no início do século XVIII, tem sido pouco mais do que uma espectadora do crepúsculo laboral que se desenha.
Não basta advogar a regulação da IA para proteger as liberdades fundamentais. Isso é muito pouco. A social-democracia devia estar hoje a pugnar por uma diminuição e redistribuição do tempo de trabalho, como fez no passado (Keynes prefigurou a semana das 15 horas...); a imaginar o que poderá ser o sindicalismo neste novo mundo ou um Estado social que terá a seu cargo legiões de trabalhadores obsoletos; a debater, sem tabus, questões como a tributação dos gigantes tecnológicos e o rendimento básico universal. Em vez disso, encolhe os ombros e resigna-se ao papel de conservadora-restauradora das conquistas laborais do passado. É mais um sinal inquietante da sua incapacidade de renovação doutrinária.

