"Não há despertar da consciência sem dor. As pessoas farão tudo, chegando aos limites do absurdo, para evitar enfrentar a sua própria alma." Este pensamento do psiquiatra Carl Gustav Jung assenta que nem uma luva ao que assistimos atualmente na guerra da Ucrânia.
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Esta guerra dura há um ano e seis dias. Há um invasor - a Rússia, comandada pelo seu expoente Vladimir Putin. Há um invadido - a Ucrânia, representada pelo seu líder Volodymyr Zelensky. A equação é simples. Não vale a pena complicar o raciocínio, pois é disto que falamos - de um homem, uma entourage, um regime, que fará tudo, até ao limite do absurdo, para evitar enfrentar a sua alma.
Aliás, esta guerra é a representação do absurdo. A invasão da Ucrânia pela Rússia é um absurdo. A denominação desta ação de guerra de agressão como "operação militar especial" é um absurdo. A realização de um conflito bélico à maneira das guerras do século XIX e do princípio do século XX, assente em trincheiras e no uso quotidiano de artilharia, é um absurdo. E hoje acusar a Ucrânia da autoria de uma "operação de sabotagem" em solo russo é o mais recente absurdo.
Se soldados ucranianos tiverem entrado nas aldeias fronteiriças da região de Bryansk, na Rússia, e estiverem envolvidos em combates com soldados russos, o que Kyiv afirma desconhecer, essa é uma situação de guerra e não uma "operação de sabotagem ucraniana".
A palavra "sabotagem", de facto, significa "destruição ou neutralização voluntária de dispositivos, equipamentos ou instalações para prejudicar algo ou alguém". Assim, interpretado à letra, qualquer ataque bélico é um ato de sabotagem, porque é uma ação deliberada de destruição de algo de outrem. Porém, atendendo à guerra que há já mais de um ano realiza na Ucrânia, mais valia a Rússia denominar os atos, ou os alegados atos, pelo nome próprio.
O absurdo mora mesmo naquelas bandas. Enquanto a Ucrânia afirma desconhecer esse alegado ataque, um grupo nacionalista russo assume a autoria do ataque e rotula a reação oficial da Rússia como "mentira dos propagandistas do Kremlin". Se isto não é o cúmulo do absurdo, não sei o que é.
Ou seja, no dia em que todos os olhares se fixavam na Cimeira do G20, em Nova Deli, na India, Moscovo conseguiu mudar o foco para a alegada agressão ucraniana em solo russo e eis que um grupo de russos emerge da sombra, assume um ataque a soldados russos e ainda lança um desafio aos seus compatriotas: "É hora de os cidadãos russos comuns entenderem que não são escravos. Levanta-te e luta.". "Ninguém se torna iluminado por imaginar figuras de luz, mas sim por tornar consciente a escuridão", sustenta ainda Carl Gustav Jung.
Ter-se-ão aberto os olhos dos nacionalistas russos? Ou estarão a ensaiar o assalto ao poder? A confirmar-se este ataque de russos civis a militares russos, bem como a veracidade deste apelo através da rede social Telegram, estaremos a entrar numa nova fase da guerra que, aí sim, passará por sabotagem das posições russas pelos próprios russos. Vladimir Putin convocou uma reunião de emergência e tem motivos para isso, pois há muito que ultrapassou os limites do absurdo e tem-se revelado incapaz de enfrentar a própria alma - se, por um acaso, ainda tiver alma.
* Historiadora (HTC - CFE - Nova FCSH)