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O recém-publicado livro “Reflexões sobre a liberdade - Identidades e família” coordenado por Joana Mortágua, Maria Castello Branco e Susana Peralta, com textos de vários autores, é um ótimo contributo para alguns dos grandes debates do nosso tempo, pelas suas múltiplas virtudes.
Em primeiro lugar, por agregar visões de pessoas muito diversas, de gerações diferentes, quadrantes políticos díspares, com formações e experiências profissionais variadas e histórias familiares e de vida bastante distintas. Depois, por ter uma profusão de temáticas também muito variadas, que vão da eutanásia às questões de género, do aborto às questões raciais, da diversidade das configurações familiares às questões identitárias, passando por muitos dos pontos ditos “fraturantes” de forma aprofundada e sensível à inclusão das diferenças.
Ademais, tem o condão de partir de pontos de vista distintos, o que faz com que as abordagens aos temas sejam múltiplas e que haja umas mais históricas, jurídicas ou filosóficas, outras mais políticas e sustentadas em números, e outras ainda mais pessoais e baseadas em memórias. Sendo que, mesmo as que se ancoram na experiência pessoal de quem escreve, partem do individual para o coletivo, situando a discussão na dimensão social e política que influencia a história de cada um.
Parece-me também interessante que a sua publicação, não sendo uma resposta ao livro “Identidade e família - Entre a consistência da tradição a as exigências da modernidade” (também de vários autores, recentemente apresentado por Pedro Passos Coelho), seja um contributo para o mesmo debate. Ou seja, que venha falar das mesmas temáticas, trazendo diversidade de pensamento, como contraponto ao conservadorismo reacionário de muitos dos textos do livro anterior. Nem que seja porque dar conta da diversidade de perspetivas sobre questões tão centrais à nossa construção como sociedade progressista e democrática é uma ótima forma de celebrar os 50 anos de Abril e a(s) liberdade(s) que conquistámos.
Considero também que em tempos de grande polarização, toxicidade e superficialidade no debate público, debater em livro é ir em contracorrente, e além de concretizar o importante registo dos grandes temas do nosso tempo para memória futura, permite que no presente se eleve o exercício da troca de ideias a um nível mais profundo.
Ora, tendo em conta que na imprensa escrita os debates se esfumam na espuma dos dias, que nas redes sociais se dão em espasmos de indignação, por entre insultos, desaparecendo a cada novo foco de polémica, e que nas revistas e círculos académicos ficam circunscritos ao meio, sendo tantas vezes inacessíveis, fazer dos livros fórum é cada vez mais importante. Sobretudo porque o próprio exercício de debater está em risco, numa sociedade que vive mal com o contraditório, em que não há tempo para ouvir argumentos e toda a gente tem opiniões fechadas sobre quase tudo. Lembrete: sem debate não há democracia.