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O chamado pacote contra a corrupção vertido na Lei 94/2021 de 21.12 introduziu nova redacção ao art.o 374ºB do Código Penal, relativo à dispensa ou atenuação da pena aplicável ao denunciante do crime de corrupção. A partir de então tem-se referido como novidade a chamada delação premiada. Porém, a actual redacção apenas estendeu ao denunciante do crime de corrupção a figura jurídica expressamente prevista para os crimes de associação criminosa e organização terrorista, nos quais as penas aplicáveis podem ser especialmente atenuadas ou dispensadas se o agente colaborador da justiça impedir ou se se esforçar seriamente por impedir a continuação das organizações, ou comunicar à autoridade a sua existência de modo a esta poder evitar a prática do crime. A isenção da pena foi aplicada nos chamados Processos FP25 e em processos de tráfico de estupefacientes. Não cabendo neste espaço referir todos os condicionalismos de aplicação de isenção de pena ou de uma pena especialmente atenuada, sublinharei apenas os segmentos do normativo mais significativos. No que tange ao crime de corrupção, a Lei 8/17 introduziu nova redacção ao citado art.oº374ºB do CP passando a prever no n.oº1, a) a possibilidade do agente beneficiar de isenção da pena, se tiver denunciado o crime no prazo máximo de 30 dias após a prática do crime e sempre antes da instauração do procedimento criminal. No n.o 2, previa-se a possibilidade de aplicação de uma pena especialmente atenuada ao denunciante que, até ao encerramento da audiência de julgamento em primeira instância, auxiliasse na obtenção ou produção das provas decisivas para a identificação dos outros responsáveis. Com a nova redacção, o agente é dispensado de pena se denunciar o crime antes da instauração do procedimento criminal e, no caso da corrupção passiva, não tiver praticado o acto ou omissão contrário aos deveres do cargo. O denunciante pode, ainda, beneficiar de isenção de pena se durante o inquérito ou instrução contribuir decisivamente para a descoberta da verdade. A pena será especialmente atenuada se até ao encerramento da audiência em 1.ª instância o agente colaborar activamente na descoberta da verdade, contribuindo para a prova dos factos. Resulta, assim, não haver lugar a acordo entre denunciante e o MP ou JIC para não instauração do procedimento criminal. O colaborador será sempre julgado e, conforme a fase do processo e o conteúdo da sua colaboração, será isento de pena, ou poderá sê-lo, ou poderá beneficiar de uma pena especialmente atenuada. Se confrontarmos as soluções adoptadas para o denunciante do crime de corrupção com as dos crimes de associação criminosa ou organização terrorista, objectivamente muito mais grave para a sociedade e o Estado, o legislador foi mais exigente nos condicionalismos previstos para a sanção premial no crime de corrupção. A invocada delação premial não passa, afinal, de um mero retocar de uma solução jurídica complexa já existente.
a autora escreve segundo a antiga ortografia
EX-diretora do dciap