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O fracasso do referendo de 1998 afastou a regionalização do debate político ao longo das duas últimas décadas. Importa recordar que embora a revisão constitucional de 1989 tivesse suprimido a referência às regiões-plano, o âmbito territorial das cinco regiões de planeamento subsistiu no desenho das atuais comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR) cuja importância, aliás, se reforçou com novas tarefas e competências requeridas pela integração europeia, desde 1986.
Afirmei na minha crónica da última quinta-feira que o âmbito territorial das cinco comissões de coordenação e desenvolvimento regional - consentindo os ajustamentos pontuais que as populações limítrofes porventura entendam por convenientes - demarcaram, desde sempre, o âmbito natural das regiões administrativas preconizadas pelos pais fundadores da Constituição democrática de 1976. A derradeira habilidade de retalhar as cinco regiões-plano nas oito regiões propostas no referendo de 1998 ditou o seu triste destino mas não justifica o silêncio que se seguiu.
Triunfou a visão centralista e antidemocrática que diz que a regionalização seria um luxo e que, apesar dos eventuais benefícios que a prazo pudesse trazer às populações, seriam excessivos os recursos financeiros necessários para suportar os custos da sua instituição. Porém, a falsidade do argumento é fácil de demonstrar. Basta constatar o papel insubstituível que as comissões de coordenação e desenvolvimento regional continuam a desempenhar na atual gestão centralizada dos fundos europeus. Bem pelo contrário, tal como aqui reiteramos há muitos anos, a regionalização pode ser um poderoso instrumento para suprimir as disfuncionalidades criadas pela multiplicação de órgãos desconcentrados dos ministérios - saúde, educação, emprego, segurança social, agricultura, ambiente, economia, obras públicas ou administração interna.
A criação de um nível intermédio entre os municípios e a administração central pode ser um fator de racionalização e poupança, um estímulo para o planeamento e o desenvolvimento económico e social capaz de mobilizar recursos e libertar energias, combinando proximidade e diversidade, gerando complementaridades ignoradas, promovendo dinamismos virtuosos e fazendo emergir novos projetos e novos protagonistas. Nos corpos técnicos das atuais CCDR - com a experiência e as competências que desenvolveram - mais o que restasse da extinção dos organismos desconcentrados dos ministérios, encontrariam os futuros governos das regiões - eleitos pelos cidadãos e obrigados a prestar contas perante eles - uma sólida estrutura permanente.
Tal como dizia, para impedir o avanço da desertificação são necessários centros de decisão política com dimensão adequada para mobilizar as populações, cuidar do território, conciliar pretensões divergentes, coordenar a ação, planear, desenvolver. O Prof. Luís Valente de Oliveira foi presidente da Comissão de Coordenação da Região Norte de 1979 até 1985. E, muito significativamente, foi titular, em diversos governos, de pastas ministeriais como o Planeamento, Administração do Território, Obras Públicas, Transportes, Habitação, Educação e Investigação Científica. Em entrevista concedida ao "Jornal de Notícias" no passado domingo, embora reconhecendo a evidência de que a "regionalização não teria evitado nem Pedrógão nem Oliveira do Hospital", sublinha que sempre teria criado "mais agentes preocupados com os problemas de desenvolvimento". Ora foi esse, exatamente, o desenvolvimento que faltou à Região Centro, ao Norte, ao Algarve, ao Alentejo... Faltou o planeamento estratégico que poderia evitar a desertificação e promover o reordenamento da floresta, novas oportunidades para as atividades económicas, iniciativas empresariais mais arrojadas, enfim, expectativas de melhores condições de vida e bem-estar dos cidadãos.
DEPUTADO E PROFESSOR DE DIREITO CONSTITUCIONAL