Na música "Cérebro eletrónico", escrita em 1969 quando Gilberto Gil estava preso e talvez por isso com uma intuição futurista admirável das extensões que nos transportam além do corpo humano, o artista brasileiro sobrepõe as emoções e a humanidade à tecnologia.
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E fá-lo no diálogo permanente entre a vida e a morte. É o facto de sermos "muito vivos" que nos torna tão conscientes do "caminho inevitável para a morte". Ou, se quisermos, o inverso: é a noção da fragilidade que nos distingue na forma de pensar e organizar a vida.
A morte enquanto tragédia pessoal universal não é tema de crónica, até porque ao jornalista é pedido que se alheie do que o toca, focando-se nos temas que tocam a todos. No entanto, o fim faz parte determinante das nossas categorias e visões existenciais. Criamos, sonhamos, abstraímos e projetamos para desafiarmos os limites que sabemos ter. E as coisas aparentemente banais são afinal decisivas na forma de nos posicionarmos perante os outros.
Se nos lembrássemos de que a morte é o nosso "impulso primitivo", para recuperar as palavras de Gilberto Gil, faríamos melhores escolhas? Procuraríamos o que nos torna mais humanos? Correríamos menos, olharíamos mais ao lado e menos para o umbigo, lutaríamos mais pela inclusão e pela equidade, perceberíamos melhor a política como espaço de serviço público, tentaríamos que a justiça social não fosse um chavão?
É por sermos finitos que aspiramos a ser muito vivos. Capazes de colocar a ciência ao serviço de uma vida menos imperfeita, a política ao serviço de uma comunidade mais plena, o espaço público aberto a cada um e com oportunidades para todos. As crónicas e comentários políticos estão cheios de análises táticas sobre alternativas, crise política e fragmentação à direita, dissolução e oportunidade ou risco, populismo e ruído antidemocrático, mas no limite, na base de tudo, é da vida que se trata: conseguirmos que ela seja melhor para todos, fazendo as escolhas certas. Se não for para isso que cá andamos, no trabalho e na intervenção social, nas associações e na cultura, na investigação e na política, andamos cá para quê?
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