Longe vai o tempo em que um conjunto de notáveis, subitamente incubados de conhecimento sobre aviação comercial, alertava o país sobre o terrível perigo de não termos uma companhia aérea de bandeira. Estavam em causa valores como a soberania nacional, o espaço lusófono, a autonomia estratégica, os milhares de empregos que dependiam do negócio TAP. Todos os argumentos valiam para dizer que a "A TAP é nossa" e era causticado quem ousasse colocar o patriótico princípio em causa.
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Embora tais vultos tenham desaparecido do radar noticioso, o estrago foi feito e estamos a pagar a duras penas o apreço que António Costa ganhou à ideia: resgatar a companhia aérea dos privados e voltar a nacionalizá-la. Sabendo-se do apetite que o setor empresarial do Estado desperta em certas hostes partidárias, estava-se mesmo a ver que o destino da TAP nacionalizada era tornar-se o desastre político e financeiro que agora, de forma estrepitosa, se apresenta ao país. Não foi por falta de avisos. E, é justo lembrá-lo, de iniciativa - a Associação Comercial do Porto insurgiu-se contra este processo, desde o início, e foi a única instituição que procurou travar a injeção milionária de capital em 2020.
As revelações que a CEO fez no Parlamento têm, no entanto, o mérito da clarificação e da transparência. Sabe-se agora que o Governo interferia regularmente na gestão corrente da empresa e que as instruções partiam diretamente do Ministério das Infraestruturas. Sabe-se agora que o pedido de esclarecimentos à TAP sobre o caso Alexandra Reis, feito em dezembro por Fernando Medina e Pedro Nuno Santos, foi uma farsa, na medida em que coube a um secretário de Estado preparar as respostas. Sabe-se agora que um partido que governa o país com maioria absoluta considera normal preparar uma testemunha, na véspera desta ser inquirida pela Assembleia da República.
Estes factos expõem de forma cristalina o desastre que significou salvar uma empresa falida e ir ao bolso dos contribuintes para a financiar. Mas mais importante que isso, convocam a sociedade civil a reagir, a manifestar-se e a impedir que algo semelhante volte a acontecer. Menos que isso, é legitimar a bandalheira e permitir que novas TAP floresçam.
*Presidente Associação Comercial do Porto