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É raro o dia em que um dos nossos políticos não reclama contra os tenebrosos especuladores, ou que não os maldiz pela responsabilidade na escalada dos juros da dívida pública portuguesa. O que leva, naturalmente, o cidadão menos avisado a acreditar que há uma conjura contra os interesses portugueses, e a julgar ser essa a causa das nossas dificuldades.
Ora, os especuladores existem nas franjas de qualquer mercado, mas não são eles quem domina os movimentos ascendentes ou descendentes do mercado. Se um especulador adquire bilhetes para um determinado espectáculo, é porque acredita que ele se vai esgotar, e que haverá procura a um preço mais elevado, o que lhe permitirá ganhar dinheiro com a candonga. Nos mercados financeiros, as coisas são mais complicadas, mas seguem a mesma lógica. E, no caso da dívida pública portuguesa, os especuladores limitam-se a antecipar as nossas fragilidades, porque a reacção dos mercados é previsível e razoável.
A dívida pública de cada país tem um rendimento e um risco: se o risco aumenta, os mercados exigem um preço superior ou deixam de comprar. E, no caso português, os mercados têm amplas razões para acreditar que o Estado não será capaz de resolver os problemas estruturais da sua economia. Pior do que isso, sabem que a execução orçamental tem sido péssima, sabem que tem havido períodos de descontrolo em que os jogos políticos levaram a que se tomassem medidas irracionais, temem que esse cenário se repita, e não têm dúvidas de que temos escondido a realidade e iludido os mercados por razões de ordem eleitoral e porque algumas das nossas instituições, que deveriam ser independentes, foram instrumentos dessa lógica perversa, como foi o caso do Banco de Portugal na "era Constâncio".
Infelizmente, se lermos o "Herald Tribune" ou o "Le Monde", que vão prestando atenção ao que se passa por cá, veremos que o seu diagnóstico é de uma simplicidade cruel. Dizem que somos o país da Europa com maiores problemas estruturais porque temos um défice persistente, que se arrasta desde há quase 20 anos, e que não conseguimos debelar. Esse défice nada tem a ver com a crise internacional, já que resulta do facto da nossa poupança não ser suficiente para cobrir o investimento público e privado, e de este investimento não se ter reproduzido, não tendo induzido o crescimento económico que era expectável e que permitiria fazer face ao endividamento. Os investidores internacionais farão certamente uma avaliação tanto ou mais severa da nossa situação.
Em face disto, a única saída para esta crise passa por seduzir os mercados, convencendo-os de que a dívida pública, que iremos ter de continuar a contrair, será utilizada de forma criteriosa, e será reembolsada quando chegar à maturidade. Se os mercados acreditarem nisso, os juros serão menores, o que aliviará a pressão sobre Portugal. Passa também por convencer os nossos parceiros europeus de que farão um mau negócio se deixarem cair Portugal, porque estarão a desperdiçar a possibilidade de o nosso país recuperar, pagar o que deve, e continuar a comprar os seus produtos.
O problema é que os que nos governam são os mesmos que tardaram em tomar medidas de emergência, que não garantiram a execução orçamental e que tentaram enganar os mercados. Duvido que uma remodelação resolva o problema de credibilidade do país. No fundo, como podem os estrangeiros acreditar em nós, se temos um Governo que mente e, pior do que isso, somos um povo que se acomoda, que deixa andar, e que se descredibiliza dia a dia ao acreditar em todas estas mentiras?