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Ao fim de pouco mais de um ano em funções, é evidente que o Governo apresenta sinais de desgaste. Naturalmente, uma vez que não é fácil governar sob a tutela da troika, tendo que aplicar uma receita muito dura aos portugueses que os tem feito passar por grandes dificuldades e privações, e sem que essa receita tenha os efeitos anunciados e desejados por quem a aplicou.
Sim, é verdade o que Passos Coelho diz que Portugal deve cumprir escrupulosamente aquilo que acertou com a troika, que só assim recuperará a sua credibilidade externa. No entanto, é tempo de utilizar o prestígio e credibilidade que já ganhou para renegociar, para conseguir aumentar a duração e reduzir o custo dos empréstimos externos, para que seja possível levar o barco a bom porto. Esta tese é partilhada agora por muitas vozes no PSD, como é o caso do vice-presidente Frasquilho.
Passos Coelho não quererá dar o braço a torcer e reconhecer a evidência enquanto não tiver a certeza de que a renegociação é aceite por quem nos tutela, e penso que não me engano ao dizer que o Governo estará já a negociar com essas instâncias. Não quererá dar razão ao PS, que vem reclamando com insistência que é preciso renegociar o acordo, e que já o terá dito directamente à troika tal como o vai dizendo ao país. No fundo, já percebeu que a tática de Seguro, que diz aos portugueses que não concorda com as medidas do Governo, ainda que nem sempre apresente soluções, mas que depois as viabiliza sempre que necessário, colhe dividendos, e estará à espera de conseguir uma solução para a apresentar de chofre ao país, e reclamar vitória nos atos, onde os outros se limitaram a falar aos ventos.
Sucede que essa tática é perigosa. Há quem pense que o bom aluno europeu pode não receber, no fim, o prémio a que julga ter direito. E, na medida em que Portugal tem sido o laboratório de um experimentalismo que não tem corrido bem, receio que, se não souber reclamar enquanto é tempo, acabe por ser sacrificado como um mero ratinho branco.
O desgaste tem, no entanto, raízes mais profundas. Desde logo, o Governo sofre de um problema grave chamado Relvas. Os episódios sucessivos, com a jornalista, com um desastrado espião, e agora com o canudo, são complicados. Por muito que tenha explicações razoáveis para tudo, não sai ileso destas batalhas. Relvas não é um ministro qualquer: ocupa uma pasta em que deveria resolver muitos dos problemas para os quais Passos Coelho não tem tempo ou disponibilidade, tem uma influência transversal em muitos membros do Governo e faz a ligação entre a esfera governativa e o aparelho partidário do PSD, numa altura em que os barões querem marcar terreno e garantir um lugar favorável na grelha de partida para as próximas eleições autárquicas.
É nesse cenário que se insere o que tem sucedido a norte, onde as questões importantes da fusão dos portos e da privatização da ANA têm sido ofuscadas, enquanto se discutem projectos faraónicos para "animar a malta", e se joga nos bastidores das nomeações, que tardam em ser feitas. Nos casos do Metro do Porto e dos STCP, é óbvia a intenção de garantir o controlo de instrumentos importantes, e a falta de experiência política do ministro da Economia permite que seja o seu secretário de Estado a desempenhar a tarefa de agradar a clientelas do partido. Ora, por muito que uma certa imprensa finja desconhecer a realidade, ou nos tente convencer de que é uma tese rebuscada, a verdade é que essa traficância é clara aos olhos do eleitorado, sempre atento quando ouve falar da questão dos tachos. Creio, mas posso estar errado, que esse é um tiro que acabará por sair pela culatra.
Por isso, é tempo de Passos Coelho resolver a equação europeia, para poder voltar a governar o país. É ele o primeiro-ministro, o responsável último por tudo isto que se passa. Tem de assumir as rédeas e de pôr ordem na casa enquanto tem crédito junto dos portugueses. Se tardar em agir, se perder muito tempo a tomar decisões, pode bem suceder que o crédito de que neste momento ainda dispõe já não exista quando finalmente se decidir a reagir.