O despesismo público conduziu-nos à curva explosiva da dívida pública e à rotura das finanças do Estado. Perguntar-se-á, há riscos de reincidência despesista dos políticos? Sim, há. Mas penso que tais riscos serão agora menores, porque do contexto <i>troikiano</i>, que é <i>antidespesista</i>, podem estar a emergir, espero, uma nova cultura política e uma nova cidadania. E porque as <i>instituições de vigilância</i> da República, as mesmas que falharam nos anos de aparência de fartura, terão retirado importantes lições para o futuro.
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O eleitoralismo é só parte...
Mesmo assim, penso que é preciso estar de sobreaviso, já em 2014 e 2015, porque não é de todo improvável o regresso ao eleitoralismo à moda antiga, em que os políticos não sabem ser comedidos. A estatística mostra que há uma correlação entre ocasiões eleitorais e despesismo. Suponho que, no caso, há mesmo alguma relação de causalidade.
O despesismo é, porém, um fenómeno mais vasto, que vai para lá do eleitoralismo. Foi (é?) transversal ao sector público, predominando na administração central e em diversas empresas públicas, descendo às regiões autónomas e aos municípios.
Despesas correntes e grandes projectos
O despesismo pode ocorrer do lado das despesas correntes, quando um governo descola da realidade e, em demasia, aumenta salários dos funcionários ou pensões dos reformados, ou alarga coberturas do Estado social; ou, por extensão do conceito, do lado das receitas correntes, quando diminui impostos e taxas.
E pode o despesismo ocorrer em projectos de grandes despesas públicas. Por exemplo, quando os políticos embarcam numa Expo 98, ou num Euro 2004 de futebol, ou na densíssima rede de auto-estradas, etc. Defendo, há anos, que as grandes despesas públicas devem ser muito mais escrutinadas. Como? Desde logo, pelo Tribunal de Contas. E por análises custos-benefícios (ACB). O caso do novo aeroporto de Lisboa, em que se desfazia um para fazer outro, era uma enormidade que foi barrada graças a duas ACB de iniciativa da sociedade civil. É claro que as ACB devem ser verdadeiramente impermeáveis aos poderes do burocrata e do político interessados na despesa e, sob dadas condições, devem ser vinculantes. A propósito, acharia bem que as ordens dos economistas e dos engenheiros formulassem, em conjunto, um "código deontológico para a competência e independência das ACB".
Um pequeno bom exemplo...
Em Janeiro, tivemos o exemplo da Suécia, um país rico, que desistiu dos jogos olímpicos de 2022, pelos gastos que implicariam. E acabámos de saber que o Porto recusou concorrer ao Euro 2020. Fez bem Rui Moreira, pela decisão e pelos fundamentos que anunciou. No fundo, o Porto enfiava-se num "apertado e exigente caderno de encargos" sem antever " retorno turístico e promocional para a cidade do Porto e para os seus munícipes" , porque ainda não se sabe quais os jogos que poderiam aqui decorrer, mas já se sabe que seriam poucos e nenhum seria das fases avançadas.
Um péssimo exemplo
Os submarinos são uma forma tenebrosa de despesismo. Invocando-se altos valores nacionais, que o cidadão não alcança, caímos em despesas de aquisição de mil milhões de euros e, depois, em despesas correntes, todos os anos. O que servem eles num país com o nosso nível de desenvolvimento e as nossas finanças públicas? Servem o esplêndido Estado gastador. E o pior, é o que pode andar ligado às motivações destes gastos. A Grécia meteu o "ministro dos submarinos" na prisão. A Alemanha condenou corruptores.
Do despesismo à dívida...
O despesismo leva a mais carga fiscal, ou a mais défice e mais dívida. A história do peso da dívida pública está resumida no gráfico que junto (os anos 2011, 12 e 13 não são comparáveis, a olho nu, com os anos anteriores porque, por imposição da UE, a dívida passou a incluir passivos de certas entidades públicas). Para termos uma noção mais exacta de toda a dívida da República, ainda faltaria, a meu ver, acrescentar muita coisa, como dívidas nominais das PPP, consolidação dos "atrasados" a fornecedores, passivo implícito do regime contributivo de pensões, etc.
É impressionante a escalada da dívida nos últimos 40 anos, salvo algumas interrupções, as quais, todavia, não venceram o ímpeto da tendência. Um legado que não é do 25 de Abril, é da classe política. Em 1974, o indicador estava apenas em 13,5%.