O estratagema só era conhecido como piada de caserna: era preciso informar um recruta muito sensível da morte da mãe e a escolha recaiu no cabo mais bruto da unidade. Não teve problemas. Irrompeu pela camarata e anunciou: «Ó 27, morreu a tua família toda!» Antes que lhe desse o chilique, o cabo reduziu a tragédia: «Deixa lá, foi só a tua mãe...»
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Há dias, os portugueses foram todos frágeis recrutas nervosos e o primeiro-ministro desempenhou muito bem o papel do cabo bruto. A tal ponto nos deu as boas notícias do que não nos ia acontecer após o acordo com a tróica, que, ainda não tinha acabado de falar e já eu recebia o SMS de um amigo: «Achas que ele já ganhou as eleições?»
O que sobra deste episódio é que se tratou de uma conspiração: o cabo bruto não foi o primeiro-ministro - ele desempenhou a segunda parte do papel. O verdadeiro bruto foi a imprensa que nas duas semanas anteriores não hesitou em colocar notícias - comprovadamente - falsas em manchete, fazendo-nos esperar um cataclismo.
De bruto é que o Governo nada teve: os seus 'spin doctors' escolheram cirurgicamente jornais que se têm apresentado como menos simpáticos a Sócrates & Companhia, não recorreram a órgãos que pudessem ser tidos como «da cor».
Cúmplices involuntários ou corrompidamente voluntários, houve jornalistas - sabem-se os nomes e os jornais e a lista deve ser publicada - que encobriram fontes que lhes proporcionaram informações deliberadamente falsas para produzirem o efeito de intoxicação da opinião pública.
(Também pode dar-se o caso de tais jornalistas haverem inventado as fontes e as «notícias», e aí compete aos seus patrões decidir se querem ter vigaristas nos seus quadros. E uma possibilidade mais remota é terem sido fontes do partido rival: é verdade que este tem exibido um amadorismo confrangedor, mas não lhe faço a injúria de achar que já entrou na imbecilidade.)
Os jornalistas que foram enganados podem denunciar as suas fontes falsas - diz o Código Deontológico - e fazer estalar a castanha na boca de quem urdiu a conspirata contra o seu povo. Não o fazendo, são uns canalhas - e sabe-se quem são.
«Achas que já ganhou as eleições?», perguntou o meu amigo. Esta manipulação é como a bateria das bicicletas antigas, só tem energia se se mantiver a pedalada. O encanto passa logo a seguir. E eu confio no tempo que a democracia reservou para nos desintoxicarmos destas sibilinas agressões: o sábado da véspera e os alvores do domingo das eleições. Para quebrar feitiços e encantamentos.