As celebrações do dia do trabalhador foram ofuscadas pela inédita campanha de promoção dos supermercados Pingo Doce. Como não poderia deixar de ser, as esquerdas ofenderam-se com a dessacralização de uma data que lhe é querida. Esse sentimento não é alheio ao facto de a iniciativa ter partido de Soares dos Santos, por quem os partidos à esquerda têm um ódio de estimação, não só pelas suas desassombradas posições públicas, mas também pelo facto de ter transferido a sede da sua "holding" para a Holanda.
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Não tenho, confesso, qualquer predileção pelos supermercados de Soares dos Santos, ainda que seja seu cliente regular, porque reconheço que tem uma boa relação qualidade/preço. Não conheço Alexandre Soares dos Santos, nem me comovo com as suas tiradas, ainda que aprecie o seu génio como empresário e compreenda as razões que o levaram a transferir a sua sede. Considero a sua estratégia lícita, porque não houve um desconto excessivo nos produtos individuais, ainda que tenha havido um benefício para os clientes que compraram o valor mínimo estipulado na promoção. Se acreditarmos nos mercados, a operação foi bem-sucedida, na medida em que as ações do grupo se valorizaram, no dia seguinte, em mais de 1%.
Aflijo-me com os complexos anti-mercado dos nossos governantes, e com o furúnculo a que se chama Autoridade da Concorrência. No primeiro caso, como é possível que a ministra que quer impor uma taxa que pague a segurança alimentar se tente imiscuir numa estratégia comercial? Proibirá ela o Engenheiro Belmiro de Azevedo de oferecer a camisola de 1966 do Eusébio,, n "O Continente", quando chegar o "Europeu"? Quanto à Autoridade da Concorrência, aconselho a que percorra as nossas autoestradas e se incomode com a cartelização dos combustíveis, antes de interferir na concorrência agressiva entre as nossas grandes superfícies.
Já não me comovo com as análises de cariz sociológico que pude ler. Pedro Guerreiro, porventura o melhor jornalista português na área da economia, conta-nos que "visto é inacreditável: uma turba faminta amotina-se, espanca-se, enlouquece, encena uma pilhagem sórdida. É uma miséria de marketing, é um marketing de miséria". Ao contrário do Pedro, confesso que não estive lá, porque não sabia da promoção e porque, por norma, desconfio dos saldos. O que, convenhamos, é um luxo pelo qual me penitencio perante o cidadão comum e menos abonado.
Ouvi os relatos de quem lá esteve, e não tenho pachorra para a hipermediatização dos raros distúrbios. A ideia de que houve uma pilhagem encenada é obscena porque, pese embora alguma desordem (que também sucede todos anos em Janeiro, nos saldos dos luxuosos armazéns "Harrods") não houve excessos de monta. Como João Miranda assinala, no "Blasfémias", Pedro Guerreiro devia lembrar-se que, de vez em quando, o seu jornal é distribuído gratuitamente sem que ninguém reclame. O que Helena Matos recorda, no mesmo blogue, é que a Feira do Livro abriu, nesse mesmo dia, oferecendo descontos que ninguém discutiu ou contestou. O que eu recordo, aqui é que os portugueses, mais ou menos necessitados, adoram as borlas. Os italianos utilizam, para os borlistas, a expressão "fare il portoghese".
Neste caso, e como diz o povo, juntou-se a fome á vontade de comer. O consumismo, retraído pela crise, foi libertado por uma campanha de "marketing" de uma empresa que quer crescer. É claro que o "Pingo Doce" poderia, e pelo mesmo preço, ter organizado um festival de "rock" ou poderia ter patrocinado uma corrida de automóveis de luxo, de iates ou de aviões. Em vez disso, e por um preço seguramente inferior, organizou uma promoção para os seus clientes que, concorrendo com o Dia do Trabalhador, encheu as dispensas e os frigoríficos de muitos portugueses. Para muitos deles, foi uma benesse em tempo de penúria. Por causa desta campanha, houve quem voltasse a comer iogurtes, chocolates, e outras coisas que tinham sido transformadas em frutos proibidos. Querem que eu ache mal? Enganem-se, meus amigos, porque acho muito bem.