Podemos tentar não ver e discutir o que fazer com imagens de choque. Mas ainda que fechemos os olhos à crueza da exposição de vítimas e de pedaços de corpos, os vídeos de socorro a feridos no ataque químico na cidade síria de Douma são suficientes para nos obrigar a parar. Veem-se pessoas a serem lavadas com jatos de água. Crianças com máscaras e bombas de oxigénio. O som aflito de vozes e sobre elas o choro ainda mais aflito e agudo de crianças. Mais uma vez, crianças.
Depois do uso de armas químicas, denunciado por organizações como o Observatório Sírio dos Direitos Humanos, seguiram-se as inevitáveis trocas de acusações e ataques políticos. Há sete anos que é assim num país que, a somar à guerra civil, se tornou alvo de disputas internacionais, agravadas pela dimensão do autoproclamado Estado Islâmico. Todas as partes no conflito cometeram crimes de guerra comprovados pelas Nações Unidas, incluindo tortura, raptos ou impedimento de acesso da população a cuidados de saúde.
Do lado de Donald Trump, já não surpreende o discurso violento, chamando "animal" ao presidente sírio e prometendo um "preço elevado" a pagar por Rússia e Irão. Mas o tom belicista poderá estender-se à Europa. A França, um dos nove países a pedirem ao Conselho de Segurança uma reunião de emergência, tinha afirmado diversas vezes que usaria a força militar em caso de utilização comprovada de armas químicas na Síria. E ontem Emmanuel Macron recordou que essa é uma linha vermelha que não pode ser pisada impunemente.
Apesar das garantias russas de que se trata de invenção, o ataque químico existiu. As vantagens da facilidade com que hoje se registam e difundem imagens através da Internet é podermos ver. Não foi um "alegado" ataque, foi o terceiro com armas químicas a massacrar civis na Síria. Relatado por organizações não governamentais e por jornalistas, que testemunharam a concentração de gás junto a abrigos, em locais em que as pessoas se julgavam a salvo. Um jornalista local descreveu o que viu dizendo que parecia "o dia do Juízo Final".
É verdade que a situação interna na Síria é tão complexa que exige pinças, a avaliação cautelosa do que aconteceu e a intervenção da ONU para tentar que a calma possível volte ao terreno. Mas isso não nos retira a obrigação de manter os olhos bem abertos. Porque há imagens de choque que é imperativo ver. O inferno existe e não é preciso uma visão escatológica do fim do Mundo para o reconhecer.
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