<p>E pronto: regressámos à vidinha, um dia depois de o país ter reeleito Cavaco Silva para o cargo de presidente da República, de ter ajudado José Sócrates a arrumar com Manuel Alegre e com os perigos que o apoio do Bloco de Esquerda ao poeta representavam para o PS, caso Alegre tivesse obtido uma boa votação, e de ter arrumado de vez com a ilusão dos que entendem haver retorno no divórcio entre o povo e a execrada "classe política". </p>
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Sim, aqui os números são como o algodão: não enganam. 53,37 % dos eleitores não abdicaram do aconchego do lar ou do habitual passeio dominical para ir votar. Dos que foram, 18,6 % escolheram os candidatos "anti-sistema" e 6,19 % votaram em branco ou nulo. O panorama não se recomenda. Pior: o panorama tende a agravar-se, com o aparecimento futuro de mais candidatos histriónicos como José Manuel Coelho e/ou ideologicamente inócuos como Fernando Nobre.
Feito o escrutínio, o quadro pinta-se de negro: o país está desencantado com o presente e seriamente preocupado com o futuro. Não é para menos: este mês, as famílias começaram a sentir com dureza o efeito das medidas de contenção impostas pela grave crise económica e financeira que o país atravessa e atravessará nos anos que se seguem. É por isso natural que, agora mais do que nunca, os olhos dos portugueses se fixem no Palácio de Belém, na exacta medida em que Cavaco Silva terá pela frente a árdua tarefa de, num país nervoso e periclitante, manter um módico de serenidade que ajude o Governo a tomar decisões com siso.
Problema: durante a campanha, Cavaco foi várias vezes áspero para o Executivo, chegando mesmo a comparar o actual momento do país com as legislaturas por si comandadas enquanto primeiro-ministro - os anos em que Portugal era o "bom aluno" da Europa.
No discurso de vitória, o chefe de Estado prometeu ser mais "actuante" (sic), querendo com isso sinalizar a aparente vontade em intervir mais no caminho traçado pelo Governo, em comparação com o que fez no primeiro mandato, no qual apenas a política de costumes permitiu assinalar as abissais diferenças entre José Sócrates e Cavaco Silva .
Ora, o apetite por uma intervenção mais "actuante" (que o PSD espera em silêncio e o PP de Paulo Portas já reclama aos berros) choca com a paciência reclamada pela resolução dos bicudos problemas que temos pela frente. O primeiro teste de fogo tem data marcada: quando se conhecer a execução orçamental do primeiro trimestre, lá para Abril ou Maio, as facas estarão já suficientemente afiadas. Aí se verá o que, confrontando com os factos, fará Cavaco: privilegiará a estabilidade que tanto gosta de apregoar ou dará um golpe de morte no Governo socialista?