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Logo à noite, vamos assistir, pela décima primeira vez, à avaliação que representantes dos partidos políticos e comentadores farão dos resultados das eleições autárquicas. Desde as primeiras eleições democráticas municipais pós-25 de Abril, ocorridas em 1976, a análise dos resultados destas eleições tem vindo a tornar-se cada vez mais complexa. A tendência, comum às oposições, de procurarem extrapolar o julgamento dos cidadãos do local para o nacional, considerando as eleições autárquicas como a grande sondagem intercalar à ação governativa, cresceu em dificuldade. Desde logo, pelo crescente número de coligações, o que torna impossível contabilizar os votos nos partidos que as integram. Depois, pelo aparecimento de listas de independentes (e desta vez com uma expressão incontornável) que confundem a contabilidade final por não poderem estes resultados ser assumidos por qualquer partido.
Uma coisa é mais do que certa - haverá, como é da tradição, avaliações para todos os gostos, segundo as conveniências. Para uns, será o número de votos nos partidos políticos que permitirá encontrar o vencedor na noite de 29 de setembro (António José Seguro começou logo por dizer que ganhar estas eleições é o PS ter mais um voto que qualquer dos outros partidos concorrentes). Para outros, ganha as eleições quem tiver o maior número de presidentes de Câmara. Ainda para alguns outros, ganha estas eleições quem tiver conseguido um maior número de mandatos.
Aparentemente, todos têm razão. Mas a mais frágil das posições é a que reduz o sucesso eleitoral à contabilidade dos votos. Faz muito pouco sentido clamar vitória por se ter mais votos num partido político, quando a maioria dos municípios é gerida por presidentes de Câmara de um outro partido. E se antes ainda era aceitável o critério do número de votos, a verdade é que a questão passou a ter uma maior importância a partir do momento em que é criada a Associação Nacional dos Municípios Portugueses, em 1984. Quem tiver a presidência de mais câmaras designa o presidente da ANMP, instituição cujo prestígio e força negocial junto do Governo passou a ser a referência para se poder cantar vitória. E, a partir de então, tornou-se deveras irrelevante o debate acerca do número de mandatos conseguido por cada força política.
No fundo, a questão coloca-se entre o PS e o PSD. Sabemos que nenhum outro partido pode aspirar, nestas eleições, a declarar-se vencedor. Para se ter uma ideia do pouco significado que tem a leitura simples do número de votos em cada partido, basta dizer que nas dez eleições municipais ocorridas depois de 1976, segundo este critério, o Partido Socialista ganhou todas à exceção das realizadas em 1985 ( curiosamente, eleições em que o PSD concorreu sozinho, mas em que o recentemente criado PRD e o Bloco Central deram um rombo no PS). Contudo, durante todos estes anos, apenas por quatro vezes o PS teve a maioria das câmaras, enquanto o PSD teve essa maioria por seis vezes. Tudo isto porque os votos dos partidos que concorrem em coligação não são contabilizados individualmente para cada um deles.
Dos oito mandatos de presidente da Associação Nacional de Municípios, três foram do PS e cinco do PSD. Nas eleições que hoje se realizam, pelas minhas contas, o Partido Socialista concorre sozinho em 303 concelhos (Lisboa, por exemplo, não terá os votos contados como do PS, pois a lista é a de uma coligação); mas o Partido Social Democrata concorre isolado em apenas 201 municípios. É evidente que os resultados eleitorais nos respetivos partidos não são comparáveis.
Sejamos corretos - nas circunstâncias presentes, ganhará as eleições quem tiver o maior número de presidentes de Câmara e puder reivindicar a presidência da ANMP.
É meu entendimento que, seja quem for que ganhe as eleições, elas não terão qualquer impacto na ação do Governo. Passos Coelho, que agora veio dizer que não se pode desvalorizar este ato eleitoral, não fez outra coisa senão minimizá-las. Começou com um " que se lixem as eleições", falou de um segundo resgate durante o período de campanha, decidiu neste período o corte de 10% nas pensões e terminou dizendo que com ele não haverá pântano, seja qual for o resultado da pugna eleitoral. Não haverá, quero crer, nenhum cataclismo para qualquer dos partidos do arco da governação na noite de hoje. Mas António José Seguro precisa, mais do que ninguém, que o PS possa ser o vencedor inequívoco destas eleições.