O dilema das empresas públicas
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Um dos expedientes utilizados em Portugal para esconder uma crescente dívida pública, sobretudo a partir da dobragem do milénio, foi a sua colocação em veículos, tipicamente empresas públicas estatais ou parcerias público-privadas, com a correspondente exclusão do perímetro de consolidação da dívida pública. A essa prática somou-se o hábito dos orçamentos do Estado sistematicamente deficitários, a despeito dos objetivos macroeconómicos do Pacto de Estabilidade e Crescimento, muito ajudado pelo facilitismo do dinheiro barato.
Compreende-se facilmente que esta deriva gerou hábitos de consumo público e privado que, a prazo, se tornaram dramaticamente inconsistentes com a capacidade de produzir riqueza, tornando o país vulnerável às impiedosas agências de rating e, por conseguinte, à especulação dos mercados financiadores que se fazem pagar pelo risco acrescido.
Com o resgate de 2011, Portugal passou a ter as suas contas escrutinadas ao pormenor e, naturalmente, a questão das empresas públicas ganhou especial acuidade. Hoje, apesar de alguns encorajadores sinais de melhoria macroeconómica, que tardarão ainda a chegar à microeconomia e ao cidadão comum, a bomba-relógio das empresas detidas pelo Estado está longe de ter solução. Senão vejamos.
Numa primeira fase, em nome da transparência, as empresas públicas cujas receitas correntes mercantis não cobrissem 50% dos custos operacionais regressaram ao perímetro de consolidação orçamental do Estado. Assim aconteceu com a Refer, a Metro de Lisboa, a Estradas de Portugal, a Metro do Porto e a Parque Escolar, as quais somam atualmente uma dívida na ordem dos 20 mil milhões. Apesar de algumas delas apresentarem já um EBITDA positivo, os resultados após juros são necessariamente muito negativos, agravando o défice e a dívida nacionais.
A partir de setembro de 2014, porém, entra em vigor o novo Sistema Europeu de Contas Económicas Integradas (SEC2010), significando que Portugal terá de comunicar as suas contas ao Eurostat de acordo com novas regras. E no que se refere às empresas públicas, os custos a cobrir pelas receitas mercantis passam a incluir os juros da dívida, o que significa que algumas vão entrar no perímetro de consolidação das contas públicas. As mais problemáticas são a Parpública, a Águas de Portugal, a TAP, a Carris, a EDIA, a STCP e a Empordef, somando uma dívida da ordem dos 16 mil milhões. Um quarto destas pode vir a engordar a dívida soberana, o que significa que o rácio da dívida sobre o PIB cresceria mais de 2%. Sabendo-se que este indicador, já atualmente muito esticado, é central na perceção do risco da dívida do país, não seria de estranhar que o rating fosse afetado e que, mais uma vez, as condições de financiamento se degradassem, num ciclo vicioso que dava agora sinais de poder ser rompido.
Em todo este cenário, a ministra das Finanças não tem outro remédio que não seja forçar a banca nacional a financiar as empresas públicas, num valor que se estima em 2,7 mil milhões de euros até 2016. Dinheiro que se destina a fazer o roulement das respetivas dívidas, grande parte contraídas entre 2011 e 2013 quando a banca estrangeira fugiu face à desclassificação do rating para lixo. Esta não é uma boa notícia para os bancos, já que estes empréstimos não têm garantias reais, pelo que esse risco lhes afeta os balanços que têm procurado desesperadamente limpar por imposição das entidades reguladoras.
Bem se percebe que este problema perdura e não é de fácil resolução. Em condições ideais, o resgate de 2011 deveria ter incluído uma verba para o financiamento da dívida destas empresas a taxas suportáveis, ganhando-se assim tempo para a recuperação do seu equilíbrio de exploração e, sendo o caso, para a sua privatização. Mas assim não aconteceu. Se olharmos para o setor dos transportes, o mais problemático, verificamos que o objetivo de reduzir o EBITDA a zero não foi ainda conseguido.
Acredito que não existem alternativas credíveis a um plano de privatizações. Mas é importante que o mesmo não seja casuístico e se enquadre nos princípios da reforma do Estado, isto é, respeite um entendimento alargado e consensual daquilo que o Estado deve e não deve fazer.