Passos Coelho é primeiro-ministro há mais de ano e meio. Por responsabilidade própria e pelo evoluir da realidade, depressa o estado de graça se esboroou.
Corpo do artigo
Com a tragicomédia da TSU, as coisas atingiram tal despautério que António José Seguro terá pensado que lhe bastaria esperar e ir dando sinais de vida q.b., porque o Governo cairia, tão certo como o destino. A 15 de setembro, supôs porventura que parte significativa daquela mole imensa que desfilou pelo país era sua. Não era.
Passos foi dizendo às suas tropas: aguentem! E, entre feridos e baixas várias, as tropas aguentaram. Setembro acabou, outubro, novembro, dezembro passaram, Vítor Gaspar a não acertar uma. E nada. Passos aguentou. À espera de uma notícia, uma que fosse, que pudesse transformar em estrondosa vitória. E ela chegou já em janeiro. Os juros da dívida pública portuguesa tiveram uma queda significativa e o défice até pode ficar abaixo de 5%, mesmo que com a venda de todos os anéis. Isso é pouquíssimo, sabendo-se como outros resultados são péssimos e como qualquer dia só cá estão os menos novos e os menos qualificados? Aquela descida é geral, da Grécia à Espanha, passando pela Itália? Talvez, mas Passos logo proclamou que este era um resultado "fantástico", só seu. Esta euforia, teve-a o primeiro-ministro e tê-la-ia quem quer que lá estivesse.
Desde o início, o Governo adotou uma estratégia "ad terrorem" bastante eficiente. Anuncia medidas draconianas, clamor geral. Logo a seguir, toma uma decisão um pouco menos extremista. E os mais avisados vão percebendo que o Governo levou uma e outra vez a sua avante.
Depois, o Governo tem mantido sempre a iniciativa, mesmo que, com notável desfaçatez, hoje diga uma coisa e amanhã o seu absoluto contrário (veja-se o caso dos conselhos à emigração). Ataque aos funcionários públicos, aos piegas, aos reformados, ao Estado social "de pés de barro", aos desempregados, a este, àquele; reforma, refundação, reflexão, o que se quiser.
E o PS de Seguro, reativo, ou esperando, ou parecendo tal, o que vem a dar no mesmo.
Até que, para conter as suas duas frentes de batalha (a interna e a pública), Seguro terá considerado que chegara a altura de mudar de estratégia: endurecendo o discurso, acenando com a falta de mandato do Governo no caso da "refundação" do Estado e agora definindo como objetivo a maioria absoluta.
Porém, nesta sua nova faceta, o líder do PS joga no fio da navalha, porque qualquer erro custa muito mais caro. Por exemplo, desaproveitou uma oportunidade de ouro para comandar o ataque ao relatório Moedas/FMI, remetendo-se a uma posição de recusa genérica - tendo no essencial partido de outros a iniciativa de o analisar com competência, fazendo o trabalho de casa que cabia ao PS.
Azar dos Távoras, Seguro viu depois a sua mensagem passar para secundaríssimo plano com a questão da ADSE e os dirigentes socialistas pegados em público, para gáudio do Governo. E este foi de uma tremenda eficácia: pois, afirmou, se não se entendem quanto a uma só medida, como se entenderão quanto ao resto?
Seguro aposta pesado, porque já se ouve o rugir surdo no interior do seu partido. Percebe-se a decisão de, com os restantes partidos da Oposição, recusar participar na comissão sobre a reforma do Estado. Mas, ou expõe (e depressa) a sua visão sobre o tópico ou essa inércia custar-lhe-á caro. Quer dizer: ou Seguro conquista a iniciativa, ou as suas reações saberão sempre, mesmo que injustamente, a coisa nenhuma.
Finalmente, a maioria absoluta que reclama. Só faz sentido este tipo de propósito se, como aliás se intuiu na sua intervenção de ontem no Parlamento, entender que já se verificam sintomas de "final de legislatura".
É o dilema de Seguro. Se esperar, arrisca-se a ver passar estes quatro anos (ou mais) como areia fina entre os dedos e a ser apeado da liderança do partido. Se avançar, corre também riscos porque pode depender de terceiros e, especificamente, do presidente. Ora, se conta com o presidente, é melhor que releia "À espera de Godot". Pelo menos, o tempo vai passando de forma agradável.