O metro quadrado mais valioso da cidade não é o do último andar com vista para o mar. É o do chão, onde caminhamos.
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A rua, a praça, o jardim, é onde tudo acontece. O espaço público é, pois, o único lugar verdadeiramente democrático: acolhe todos, independentemente da sua origem, grupo social, religião, género ou ideologia.
É no chão da cidade que nos cruzamos, sem convite nem cerimónia. Onde surgem movimentos cívicos de protesto, se namora, se vive.
Se a cidade fosse um organismo, o chão seria a sua pele. E é essa pele que toca a todos, sem distinção. Por isso, não é apenas um lugar de passagem: é um palco onde se encena, diariamente, a síntese da cidade. Ao contrário do espaço privado, que é propriedade e fronteira, o espaço público é pertença e ponto de encontro.
A cidade que queremos constrói-se de baixo para cima. Começa no chão, mas num chão digno, contínuo, belo, acessível. Diria que a verdadeira arquitetura da cidadania está no chão e no rés-do-chão, na relação com quem passa, na porta que se abre para a rua, no gesto de acolher.
Devíamos cuidar da rua como se fosse a sala comum e pensar o chão não como infraestrutura física, mas como a maior infraestrutura social e sentido de pertença. O que permanece, uma árvore antiga, um banco gasto, a esplanada que resiste aos anos, é o que nos enraíza. São esses elementos que criam memória e identidade. Que nos fazem sentir parte de um todo.
Em síntese, o espaço público não é só onde caminhamos. É onde pertencemos. Por isso, o chão da cidade devia ser tratado como um bem precioso. Porque é ali que, sem pedirmos licença, somos todos iguais.
Este um tema que deveria ser agenda das próximas autárquicas.