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Ouvi com atenção a mensagem de Natal do Senhor Primeiro-Ministro e acredito que faça fé no que nos transmitiu. Na verdade, tenho para mim que o Senhor Primeiro-Ministro é um homem empenhado e determinado na procura de soluções para o país e íntegro na teoria e na prática da governação.
Não concordo com a forma como vê e faz política na Europa, com o atraso muito difícil de recuperar com que olhou para o lado económico da crise e na desatenção com que segue a verdadeira reforma do Estado, que passa muito mais por aligeirar processos do que por aligeirar o peso da massa salarial. Mas respeito e sou grata pelo sacrifício pessoal sempre associado a estas funções.
Há de haver muita gente como eu. E isso bastaria para que a mensagem de Natal pudesse ser apenas uma partilha amiga de bons votos formulada com a sinceridade e a entrega que se lhe não nega.
Não vejo por que é que todas as alocuções nesta época (quer do Senhor Primeiro-Ministro, quer do Senhor Presidente da República) tenham sistematicamente de ser minidiscursos sobre o estado da Nação.
O resultado é que as ouvimos como vemos e ouvimos pela enésima vez a saga da família Von Trapp, inexorável companheira de todos os natais televisivos. Com reconhecimento institucional mas sem emoção. E despertar emoções ou boas vontades é muitas vezes a alavanca que multiplica a capacidade e os resultados. Mas em Portugal os governantes têm geralmente uma prestação hirta e tensa, como se disso dependesse a sua seriedade e a sua competência.
A única vantagem desta falta de surpresa (para além da enorme desvantagem de fazer perder a energia decorrente do carisma e da capacidade de "pregar" ao ecrã) reside no facto de a maioria de nós não prestar mesmo atenção ao que é dito.
Porque a fazê-lo encolheríamos os ombros, cavando mais fundo a distância da política e dos seus protagonistas.
Se se pretende incutir segurança para o presente e confiança para o futuro, não se pode ficar pela apresentação de resultados cuja solidez não se pode comprovar. É o caso dos excedentes sobre o exterior. Portugal já esteve várias vezes ao longo da sua história (mesmo da recente) nesta situação. Apenas não vingou porque a organização estrutural da nossa atividade económica não conseguiu garantir a substituição das importações por exportações. Apenas, como hoje, baixaram as importações por falta de verba.
Salva-nos a capacidade de resiliência e o sentido de risco dos nossos empresários que foram capazes de estreitar margens e diversificar mercados não porque fosse mais fácil, mas apesar de ser muito difícil. Não pelo Governo mas, parece-me, apesar dele.
Também não ajuda a inevitável desculpa dos problemas herdados. O Governo de um país essencialmente bipartidário como o nosso não autoriza nenhum dos principais partidos a eximirem-se de responsabilidades mesmo das cronologicamente históricas.
Os atuais problemas decorrem muito mais da organização do país e da administração do Estado do que estritamente do défice ou da dívida. E sobre essa, a palavra "herdar" perdeu o sentido.
Por último, e talvez mais importante, não é correto, do meu ponto de vista, insistir no tema de "fechar a página" para começar a tratar do futuro. Não é possível separar ambos os objetivos. E, a fazê-lo, devíamos sempre ater-nos à preparação do futuro já que, como dizia António Vieira "Nenhuma cousa se pode prometer à natureza humana mais conforme ao seu maior apetite, nem mais superior a toda a sua capacidade, que a notícia dos tempos e sucessos futuros".
Deve ser por isso que me chamou a atenção, sem ter querido ouvir sequer, algumas frases da mensagem de Natal de Sua Alteza Real a Rainha Isabel II de Inglaterra. Sem poder mas com emoção, falou do futuro que uma criança promete e da necessidade de refletirmos, no silêncio e sem pressas, sobre o que queremos e podemos, ser e fazer.
Devagar e sem mais.