<p>O presidente da República deu ontem posse ao XVIII Governo Constitucional. O discurso de Cavaco Silva foi politicamente mais recheado do que o de José Sócrates. Porquê? Porque, enquanto o primeiro-ministro se limitou a dizer o óbvio (o povo votou PS para que as políticas "reformistas" se mantenham, disse Sócrates), o chefe de Estado apontou alguns dos principais problemas que Portugal tem pela frente. Assinalando que o país vive uma "situação preocupante", o presidente da República escolheu - e bem - dois temas para exemplificar as dificuldades: o desemprego e o endividamento externo. Podia ter optado por outros exemplos? Podia, porque eles abundam. Por que razão decidiu confrontar o novo Governo com estes? </p>
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Resposta: porque o endividamento externo e o desemprego tocam em duas das maiores fragilidades de Portugal. A saber: não haverá qualquer possibilidade de o país se desenvolver de forma robusta mantendo o actual nível de endividamento externo, como lembrou (e com razão) Manuela Ferreira Leite durante a campanha para as eleições legislativas. A factura, elevadísssima, terá que ser paga, mais cedo ou mais tarde. Exemplo do susto: a nossa dívida ao exterior cresce ao ritmo de dois milhões de euros por hora, tendo subido, no espaço de década e meia, de 7,4% do Produto Interno Bruto (medida da riqueza produzida pelo país num ano) para 96%! A palavra é essa mesmo que lhe veio à mente, caro leitor: credo!
Segue-se o desemprego. O chefe de Estado sabe, como o Governo sabe, como nós sabemos, que a falta de trabalho continuará a crescer nos próximos tempos (talvez mesmo anos). Não é liquído que, se a coisa se tornar insustentável, o Governo não seja confrontado com uma crise social sem precedentes. No momento em que tentamos sair do abismo económico em que caímos, tratar-se-ia de um efeito dramático: para as famílias, para as empresas e para o país.
Ou seja: Cavaco reclama do Governo um elevado graude de eficácia no combate à crise.
O presidente da República deu ainda um sinal claro de que está disposto a ultrapassar as mágoas e as sequelas das mágoas provocadas pelo famigerado "caso das escutas". "Não me movo por cálculos políticos" e "todos somos chamados a actuar com lealdade", sentenciou o chefe de Estado. Não podia ser de outra forma: qualquer erro político de Cavaco na sua relação com o Governo, nos tempos mais próximos, seria absolutamente trágico para ele, na exacta medida em que o "povo" dificilmente entenderia que o chefe de Estado pedisse acção e responsabilidade ao novo Executivo e, depois, à primeira oportunidade, lhe dificultasse a vida.
Claro: as palavras, mais ou menos adornadas, são uma coisa; a capacidade de moderar a reacção, a quente, aos problemas é outra. Veremos quem está mais bem preparado para este jogo de sombras e de tensões: se Sócrates, se Cavaco.