O discurso presidencial costuma assumir protagonismo no 10 de junho, e este ano ainda mais, por estarem a aproximar-se eleições e porque, nesta data, foi o último discurso do atual presidente da República. Ora, a prosa teve um mérito indiscutível: mostrou ao próximo presidente o que não deve fazer.
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Não deve, em primeiro lugar, ser mais ácido que o vitríolo. Um presidente une, está acima das partes, não se blinda numa trincheira a lançar obuses. Confirmando um padrão preocupante, o presidente da República está amargo e criticou quanto pôde. Ainda mais grave, os ataques que profere são feitos no modo despersonalizado pessoal, isto é, segundo a técnica "eu não digo de quem estou a falar mas..." (aqui, pisca-nos o olho) "vocês sabem quem são". O problema é que ninguém sabe muito bem quem são. Pior, ninguém de facto liga ao assunto.
Atentem no que ensina o presidente: "Há mesmo quem faça da crítica inconsequente um modo de vida, um triste modo de vida", guardando para o fim o mais saboroso, quando zurze nos "profissionais da descrença" e os "profetas do miserabilismo". Mauzito, não é? É. Para o presidente, que importa? Esse é o anátema que lança para ajustar as "suas" contas com quem se atreva a discordar. De quê? Pois, não faço ideia.
Por outro lado, não deve um presidente ir além daquilo que lhe compete, sobretudo se os conselhos são banais e se, mesmo assim, representam uma ingerência grosseira na esfera de atuação de outro órgão de soberania. Infelizmente, é isso que se nota lá, onde o presidente, com pompa, discorre sobre os quatro objetivos de política económica que "impõe" a quem for ao Governo que aí venha. A verdade é que não imporá coisíssima nenhuma: e mais vem ao de cima a fragilidade e irrelevância da lição doutoral.
Descontando um elenco infindável de situações e factos com que, acredito, o presidente quis dar "sinais" positivos e de "retoma" (mas que colocam o leitor à beira da depressão ou do desmaio), sentiram-se, sobretudo, as ausências.
Faltou, e foi tremendo o silêncio, uma voz solidária e de conforto aos que sofrem. Faltou terrivelmente a cultura. Faltou algo que fosse para lá da economia, do dinheiro e outros balancetes que tais.
Descansem, afinal não faltou quase nada: só vida.
Faltou [ao discurso de Cavaco no 10 de junho] uma voz solidária e de conforto aos que sofrem. Faltou terrivelmente a cultura. Faltou algo que fosse para lá da economia, do dinheiro e outros balancetes
que tais.