Como se esperava, o Tribunal Constitucional chumbou, e desta vez por unanimidade, mais "uma medida avulsa" do Governo. E digo que se esperava, não apenas baseado na opinião dos muitos comentadores e constitucionalistas que se pronunciaram neste sentido, mas também por estar plenamente convencido de que o Governo também o esperava.
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É minha convicção de que, desde o momento em que concebeu este corte nas pensões do regime da Função Pública, a maioria estava consciente dos riscos inerentes à proposta. Não é credível pensar-se que o Ministério das Finanças e todo o conjunto de assessores que apoiam o Governo sejam tão impreparados e ingénuos a ponto de não equacionarem como muito provável aquilo que para tantos era uma evidência, incluindo o presidente da República. Pelas minhas contas, são já seis as "negas" do Tribunal Constitucional a propostas do Executivo, cinco das quais suscitadas por Cavaco Silva. Ora se é aceitável pensar que os primeiros chumbos se devem à inexperiência e voluntarismo da dupla Passos Coelho - Vítor Gaspar, já o não é agora, sobretudo tendo presente o que se passou com o Orçamento do Estado do corrente ano. Não é razoável imaginar que o presidente se soube reunir, para esta área, de conselheiros experientes e bem preparados enquanto o Governo se rodeou só de estagiários incompetentes. A meu ver, o Executivo sabia da enorme probabilidade deste chumbo acontecer, mas agiu por pura tática política.
Esta decisão de inconstitucionalidade acaba por lhe ser, afinal, duplamente vantajosa - por um lado permite-lhe continuar a cumprir o seu papel de seguidor atento, venerador e obrigado dos ditames da troika (se o corte na despesa não acontece, não é por sua culpa); por outro, poupa-lhe mais impopularidade e estimula o consumo privado de que tanto espera.
O ano que agora termina é, neste domínio, um bom exemplo. O Governo propôs-se diminuir a despesa em cerca de 1300 milhões de euros, à custa do corte dos subsídios de férias e de Natal dos funcionários públicos e pensionistas, para atingir o renegociado défice de 5,5%, o que o Tribunal Constitucional inviabilizou. Sem medidas alternativas para compensar o anunciado corte na despesa pública, devido à tardia decisão do Tribunal, o resultado foi a injeção de um volume financeiro inesperado no consumo privado, contribuindo para a evolução favorável dos indicadores que medem a economia portuguesa, com a maioria a assegurar, apesar disso, que a meta dos 5,5% continua atingível.
O Governo só tem de estar grato ao Tribunal Constitucional. Até porque o impacto da inviabilização deste corte, além de económico, foi também político, acalmando um pouco os portugueses. No início deste ano, não havia saída de membro do Governo do espaço confinado dos seus gabinetes que não fosse acompanhada por um coro de vaias e de protestos, que eram a música de fundo de todos os telejornais. Algumas vezes os ministros foram mesmo obrigados a mudar de percurso e, até, a optarem pela porta das traseiras. Há que reconhecer que agora já não é bem assim. O próprio primeiro-ministro está hoje menos acossado no espaço público e já é possível vê-lo falar para os órgãos de Comunicação Social sem o tradicional acompanhamento.
Mas, bem vistas as coisas, o que estava agora em causa com este corte proposto nas pensões da CGA era ainda mais grave, sob o ponto de vista ético e social, do que o que o Governo se propôs fazer em 2013 (embora muito menos relevante sob o ponto de vista económico). Fustigados por um sem-número de penalizações que têm encurtado a sua pensão líquida, como o agravamento das contribuições para a ADSE, das taxas de IRS, passando pela Contribuição Extraordinária de Solidariedade ou pela redução das comparticipações nos medicamentos, os pensionistas têm sido o alvo preferencial dos sacrifícios impostos pelo Governo. É a parte mais frágil, mas também a mais fácil de atacar para produzir efeitos na redução do défice.
Bem andou, por isso, o presidente da República ao solicitar a verificação da constitucionalidade desta proposta.
A reação de Pedro Passos Coelho à decisão do TC, essa, foi a que lhe é habitual - vamos estudar o parecer para poder atingir o mesmo objetivo de redução das pensões e ultrapassar o "clima de incerteza" que a decisão do tribunal originou. Mas, não, senhor primeiro--ministro, foi precisamente o contrário que resultou desta decisão. Resultou, isso sim, um clima de certeza no funcionamento das instituições democráticas em Portugal e na sua capacidade para impedir atropelos e arbitrariedades aos princípios fundamentais de um Estado de direito.