Nunca antes, nestes quase dois anos de governo, tantos acontecimentos marcantes se sucederam num tão curto espaço detempo. Ainda não tínhamos digerido um destes factos relevantes e já outro nos aparecia abafando o do dia anterior. Só que, a meu ver, nenhum deles aconteceu por acaso. Bem pelo contrário, eles resultaram de posições táticas preparadas cuidadosamente pelo PS e pelos partidos do Governo.
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Desde logo a moção de censura apresentada pelo partido socialista. Há duas semanas referi nesta crónica que seria provável que a moção fosse debatida na AR em cima da decisão do Tribunal Constitucional. Na altura o PS anunciava o agendamento para depois da Páscoa sem precisar o dia. E, de repente, foi marcada a passada quarta-feira para a sua discussão e votação. É evidente que António José Seguro foi informado dos timings do TC e quis aproveitar a onda de crescente fragilização do Governo, antecipando-se. Utilizou o palco próprio para confrontar o Executivo com as debilidades da sua governação e para se apresentar como alternativa. O previsível terramoto que o chumbo do Tribunal Constitucional provocaria deixava o Governo na sua mais frágil posição de sempre e Seguro quis tornar claro que a única solução para uma provável crise política passaria necessariamente por eleições.
Acontece que Pedro Passos Coelho também dispunha da mesma informação. E usou-a, é claro. Com a demissão de Miguel Relvas no bolso, largou-a no dia seguinte. Tão rapidamente, que criou a posição insólita de aparecer ao presidente da República com a comunicação da renúncia do ministro sem propor um nome para o substituir. Ao mesmo tempo que abafava os ecos da moção de censura com o ruído da incómoda e tardia renúncia do seu homem para toda a obra, do seu " fazedor ", contou que a decisão do TC minimizasse, por seu turno, os decibéis causados pelo afastamento de Relvas. O que aconteceu. Como diz o povo, com uma cajadada matou dois coelhos. A verdade é que o chumbo do Tribunal Constitucional é agora o nosso magno problema, perante o qual nenhum dos outros acontecimentos políticos tem relevo. A moção de censura e a demissão de Relvas estão já próximas do esquecimento.
E, no entanto, no turbilhão de todos estes casos, passaram para segundo plano situações da maior importância.
Em primeiro lugar, a posição do presidente da República. Cavaco Silva faz uma leitura do resultado da moção de censura contrária à dos partidos da oposição, que a votaram unanimemente. Para ele, esta moção de censura religitima o Governo, uma vez que foi derrotada. Para o presidente foi como se o Governo visse aprovada no Parlamento uma moção de confiança e saísse dali com novo fôlego. Estranhíssima interpretação.
Fica claro, por tudo isto, que o PR não intervirá em caso de crise que não seja a que resulte de uma rutura entre os partidos do Governo.
Depois, a tardia demissão de Miguel Relvas e a estranha coincidência de um relatório da inspeção à sua licenciatura ficar pronto apenas quando foi politicamente necessário. Nuno Crato bem se esforçou por justificar o motivo por que só agora foi tornado público o relatório elaborado pela Inspeção-Geral da Educação e da Ciência. Mas não convenceu. Também ele entrou no jogo político.
Mas o que agora importa é saber o que virá a seguir. Qual será o resultado do Conselho de Ministros convocado ainda antes de ser pública a decisão do Tribunal Constitucional?
Acomodar 1300 milhões de euros de corte na receita num orçamento já feito em pedaços não é tarefa para humanos. E o Governo não tem um plano B. Que Passos Coelho baixe os braços e atire o país para eleições, não é provável. Que o presidente da República intervenha é muito menos provável.
O que seria sensato é que o primeiro-ministro aproveitasse esta oportunidade para uma séria reformulação das suas políticas com caras não comprometidas com o que falhou. A verdade, porém, é que a sensatez anda arredia da ação do Governo nestes tempos.
Depois, seria desejável que estes inconstitucionais 1300 milhões pudessem ser aceites pela troika como aumento do défice para o corrente ano. Do mal, o menos. Sempre seria a força das circunstâncias a conseguir fazer o que a falta de força política não permitiu.