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A idade da reforma passar dos 65 anos e meio para os 66 não seria matéria para nos indignarmos caso se tratasse de uma medida isolada e apenas tendente a limitar a usura provocada no nosso sistema de segurança social pelo facto de vivermos em média cada vez mais anos e de em média também termos cada vez menos descendentes. Fossem apenas os seis meses ontem subtraídos aos candidatos à reforma e certamente que todos poderíamos mergulhar de cabeça num fim de semana sossegado.
Todos sabemos, porém, que não é assim: os seis meses que acrescentaremos à nossa vida de trabalho assalariado são de algum modo o símbolo de um processo aparentemente imparável de expropriação das poupanças de quem trabalha por contra de outrem.
Os próprios cortes em reformas e pensões - ainda objeto de análise relativa à sua legalidade - bastariam para nos interrogarmos sobre onde e como queremos colocar a fronteira a partir da qual o Estado não pode invadir o que é da nossa propriedade privada. No caso, não apenas por direito adquirido mas também por direito próprio, fruto do trabalho próprio e do contrato celebrado com o Estado nos termos em que esse mesmo Estado, assumindo como de interesse público a segurança social, nos transformou em parceiros num sistema de responsabilidade coletiva.
Acresce que os cortes nas reformas terão em muitos casos um efeito dominó sobre as famílias, que o tempo esclarecerá em dimensão estatística real. Na verdade, todos nós conhecemos casos de reformados e pensionistas que assumiram despesas parciais ou mesmo integrais de descendentes caídos no desemprego temporário ou de longa duração. Só nos falta saber qual é a dimensão nacional deste efeito da expropriação das poupanças dos mais velhos. Mas de uma coisa podemos ter a certeza desde já: nada deste processo contribui para o consumo interno, o que significa a destruição de parte do tecido empresarial e de postos de trabalho.
É, de resto, disto mesmo que também podemos falar quando se evoca a insustentabilidade financeira do nosso sistema de segurança social: sim, é verdade que procriamos menos e vivemos mais tempo, mas não é menos verdade que só nos últimos três anos destruímos qualquer coisa como 500 mil empregos, ou seja, 500 mil descontos para o tal sistema em desequilíbrio natural.
Mas o que nos agride mesmo é a memória ainda bem fresca das campanhas de bancos, seguradoras e até instituições públicas para capturar as mesmas reformas que hoje são expropriadas pelo Estado.
Quem não se lembra dos seguros para velhices tranquilas? Dos serviços de saúde para todas as necessidades? Dos lares com comodidades para todos os gostos? Das férias paradisíacas ao redor do Mundo?
Foi ontem!...