<p>Ontem, ao pôr os pés fora de casa, reparei que a manhã enregelada que cobria Valpaços, uma pequena cidade transmontana, trazia consigo uma acalmia, uma paz que, confesso, não sei descrever. Aproveitei para sorver o que o dia oferecia, certo de que há poucas alturas em que esta sensação de sossego absoluto, de distanciamento dos problemas, grandes e pequenos, nos calha em sorte. </p>
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Aproveitei a viagem até ao Porto para ir pensando no tema desta crónica. Pareceu-me fazer sentido escrever sobre o ano que passou e o que aí vem. Encontrei ajudas de peso. Num "take" da agência Lusa, dois dos mais eméritos sociólogos portugueses projectam um 2011 de meter medo.
António Barreto e Boaventura Sousa Santos entendem que é grande o risco de uma "explosão social" no próximo ano. Argumentos: atavicamente sossegados, os portugueses ainda não sentiram na pele o efeito das drásticas medidas tomadas pelo Governo. Senti-lo-ão a partir de Janeiro: primeiro, os 750 mil funcionários públicos; depois, o resto da população activa. É em Janeiro que os rendimentos encurtam e os preços de bens essenciais esticam. Aí, passada a estupefacção e a inacção ditadas, entre outras factotes, por uma excessiva dependência do Estado, as coisas tenderão a aquecer.
Pode ser. Mas também pode não ser. Julgo que tudo dependerá do comportamento da economia e das finanças portuguesas no primeiro trimestre de 2011. Francamente, por muito bonzinhos que tendamos a ser, há um limite para tudo. E, creio, quem paga impostos, quem, por muito que batalhe, não encontra emprego, quem chega ao meio do mês com a conta bancária perto do zero, quem luta para simplesmente alimentar a família, todos esses e muitos outros estão no limite.
Se daqui é possível nascer uma grave convulsão social, empurrada por sectores sindicais com gosto pelo radicalismo? Pode. O risco de sermos atropelados por uma espécie de efeito dominó é real: se, findo o primeiro trimestre de 2001, a consolidação orçamental não der sinais positivos, a entrada do FMI será inescapável. E o FMI trará mais medidas duras, mais austeridade, mais dificuldades para os mais pobres, desespero para as famílias de fracos recuros - e por aí fora, numa perigosa escalada de efeitos imprevisíveis.
Em certo sentido, estamos todos, sem excepção, convocados para evitar que o desarranjo do país chega a um ponto sem retorno.
Disse o primeiro-ministro na sua mensagem de Natal: "Este é o único caminho que protege o país e que defende o interesse nacional". A narrativa da esperança só produzirá efeito com resultados palpáveis, com uma "esperança concreta", para citar Adriano Moreira. Caso contrário, nem o encanto das manhãs transmontanas nos desenrugará as almas...