A vitória de António Costa sobre António José Seguro nas primárias do passado domingo coloca uma série de desafios ao PS. A circunstância de ter sido esta a primeira vez em que um líder foi escolhido pelos "de dentro" (os militantes) e pelos "de fora" (os simpatizantes) soma responsabilidades ao novo líder.
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E coloca uma pressão extra (talvez mesmo extraordinária) às concelhias e distritais do partido. É um facto que o PS sai desgastado deste duro combate. A amplitude da vitória de Costa ajuda a minimizar os acertos de contas, é certo. Mas não é, só por si, garantia de que o caminho está limpo de engulhos vários e minas muitas.
O "aparelho", essa massa informe e gelatinosa, percebeu certamente o que os "de fora" desejam. Sucede que não se limpa o "aparelho" de um dia para o outro: anos e anos de vícios não se curam com paliativos; anos e anos de interesses cruzados não se colocam, assim de repente, dentro de uma caixa cujo destino é a prateleira.
Tomemos o exemplo do Porto. António Costa ganhou em 12 dos 18 concelhos do distrito. Tendo em conta que a Distrital, liderada por José Luís Carneiro, preferia António José Seguro, que ilação pode retirar-se daqui? Uma e muita simples: o que a Distrital queria não correspondia ao que os militantes e simpatizantes desejavam. Estranha contradição? Nada disso: apenas mais uma prova de como andam arredadas da realidade as prioridades das estruturas partidárias. E, sendo assim, devem os responsáveis dessas estruturas daqui retirar alguma consequência? Eu, obviamente, demitia-me.
Não se trata de pôr em causa a legitimidade da Distrital, nem tão-pouco de defender que todas as estruturas devem dizer "ámen" a Costa. Trata-se, isso sim, de relegitimar as lideranças, no sentido de as tornar mais fortes, por ser essa a única forma de o partido, aproveitando o balanço, ganhar estabilidade e densidade. De outra forma, viver-se-á dentro de concelhias e distritais uma espécie de "guerra fria" que não aproveitará a ninguém.
No caso do Porto, esta realidade é particularmente evidente. No congresso distrital que antecedeu as primárias, Manuel Pizarro, líder da Concelhia portuense, ofereceu a Carneiro um presente envenenado: a moção de estratégia foi aprovada por unanimidade, num arrojado gesto tático que pretendia limitar o futuro raio de ação de Carneiro, caso Costa ganhasse. Objetivo alcançado: Carneiro tem a bandeira da unanimidade para erguer, mas não tem o que verdadeiramente conta - poder. Está destinado a cumprir um mandato sem levantar ondas, sob pena de ser acusado de não saber usar a unanimidade. Fará, portanto, uma espécie de travessia do deserto, até ao momento em que será apeado do cargo, num timing que nunca será definido por ele, mas por quem verdadeiramente representa a extensão do líder nacional no distrito.
Por aqui se vê como o efeito local da vitória de António Costa pode ser fonte de problemas para quem não souber antecipá-los e ultrapassá-los. Não creio que o "mandato" dado aos socialistas pelos "simpatizantes" tenha sucesso, se nós como este não forem desfeitos com clareza e sem aspereza.