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A mensagem chegou do Cairo e de forma clara: "o Egito não abandonará Gaza à sua sorte", que é como quem diz, à mercê das poderosas artilharia e aviação de Israel. Ao declarar também que "o Egito de hoje não é o de ontem" e que "os árabes de hoje não são os árabes de ontem", o presidente egípcio que emergiu da primavera árabe, Mohamed Morsi, pretendeu demarcar-se, de uma forma ainda mais clara do que até aqui, da política externa seguida pelo seu antecessor, Hosni Mubarak.
Pressionado pela opinião pública no seu país e, sobretudo, pela Irmandade Muçulmana que o levou ao Poder, Morsi enviou, no final desta semana, o seu primeiro-ministro numa viagem histórica à Faixa de Gaza onde visitou hospitais a abarrotar de feridos resultantes da ofensiva israelita dos últimos dias. Com a justificação do auxílio humanitário, abriu ainda a fronteira entre o Sinai e Rafah, a única porta de ligação entre o pequeno pedaço de território palestiniano encravado em Israel e o mundo exterior. Porta essa que o Cairo manteve fechada anos a fio. Com estas medidas, o país que na região mantém simultaneamente relações privilegiadas com Telavive, com palestinianos e com os Estados Unidos enterrou definitivamente os compromissos assumidos com os norte- -americanos que declararam o bloqueio a Gaza (religiosamente cumprido por Mubarak) na sequência da vitória eleitoral do Hamas em 2006. Acontece que, por muito que apregoe que o mundo árabe mudou - e mudou sobretudo no Egito agora liderado por islamistas que há muito defendem o corte puro e simples das relações com vizinho judeu -, Morsi sabe que o complexo xadrez do Médio Oriente não se esgota em tomadas de posição populistas para consumo local ou mesmo regional.
Com o caldeirão da violência de novo no seu ponto de ebulição máxima, com palestinianos do Hamas a multiplicarem os ataques de foguetes contra Israel e os militares judaicos mobilizados em força (incluindo 75 mil reservistas) para uma invasão terrestre de Gaza que ninguém parece ser capaz de travar, os egípcios multiplicam ações diplomáticas de última hora. É que o que agora está em causa é um pouco mais complexo do que o agudizar de um conflito sangrento e sem fim entre israelitas e palestinianos. E tão-pouco se pode explicar o empenho egípcio em travar a escalada da violência só com a manutenção da preciosa entrega de um cheque de 1,5 mil milhões de dólares que Washington faz chegar todos os anos ao Cairo.
As disputas políticas internas tanto em Israel como na Palestina estão ao rubro com o chefe de Governo, Benjamin Netanyahu, a pensar já nas legislativas e na forma de arrumar do Poder a extrema-direita, sua parceira de coligação (e que popular que seria um ataque contra árabes para o conseguir). Do outro lado do muro, vive-se uma disputa de protagonismo entre os radicais do Hamas e a Autoridade Palestiniana (com os primeiros a beneficiarem claramente de uma radicalização do conflito). Na vizinhança, o Hezbolá mantém as ameaças no Sul do Líbano. A Síria está à beira da desagregação. E até na Jordânia, que passou a primavera sem sobressaltos internos, crescem as manifestações contra o seu rei.
É este rastilho explosivo que pode levar a uma guerra generalizada na zona que Morsi tentará neutralizar sem, certamente, deixar de ouvir o que o reeleito Barack Obama terá para dizer sobre tudo isto.