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Oentretenimento político, plasmado em grandes e patrióticas doses de indignação, gerado por estas bandas pelo resgate à nossa vizinha Espanha não se entende muito bem. As almas lusitanas reclamam o mesmo tratamento (quer dizer: a mesma taxa de juro) dado aos espanhóis e querem saber se também para eles há medidas de austeridade a caminho.
As evidências deviam ser suficientes para acalmar os ânimos dos mais excitados.
Uma das mais vetustas regras das relações internacionais é a de que, no tabuleiro dos interesses, joga quem tem poder. Chama-se a isto "realpolitik" - aquela que se consuma nos bastidores onde manda quem pode muito e se ameniza nos discursos, onde ouve, com a devida anuência, quem pode pouco.
Ora, no caso, estamos a falar da quarta maior economia da Zona Euro, que vale, só por si, o dobro das três outras intervencionadas juntas (Portugal, Grécia e Irlanda).
Acresce que as reformas e austeridade vão chegar a Espanha com toda a certeza. Pode ser que o primeiro--ministro Rajoy fuja delas como o diabo da cruz. De nada lhe valerá a escapadela, porque os credores correrão atrás da economia espanhola - e os credores são bastante mais lestos do que o senhor Rajoy. De resto, é óbvio que o Banco Central Europeu quererá saber onde meterão os bancos espanhóis o dinheiro que lhes foi emprestado, como é óbvio que há um pacto não assinado, mas já em prática, para apertar o cinto dos contribuintes espanhóis.
Acresce ainda que o resgate aplicado ao sistema bancário espanhol garante estabilidade a curto prazo e, se correr bem, evita um outro resgate de dimensões quase bíblicas: o do Estado espanhol no seu todo, que haveria de custar não menos de 500 mil milhões de euros. Não faço ideia onde iriam os "líderes" europeus buscar tanto dinheiro. E suspeito que eles também não.
De regresso às evidências. Os berros da Oposição não fazem sentido. A nova ordem mundial, ainda não transportada para nenhum tratado, com o diz o professor Adriano Moreira, coloca frente a frente "os ricos detentores da ciência e da técnica e os pobres que recebem apenas pingos desse poder".
Como se contraria esta dolorosa realidade? A ideia fundadora da União Europeia (UE) assentava na força dos valores, no eixo da roda, para regressar a Adriano Moreira: "A realidade é como a roda, que está sempre em andamento e mudança, e cujo eixo são os valores, que acompanham a roda mas não andam". Sucede que o eixo da UE está há muito partido, pelo que a roda anda por aí à solta, atropelando os mais fracos e passando ao lado dos mais fortes. Se há coisa que esta crise aguda da UE reclama é o regresso aos valores. Tristemente, os conselhos que o tempo dá não vão a par com a qualidade dos líderes que o tempo nos trouxe.