O eleitoralismo deve ser temido?
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Vários factos recentes reacenderam o debate sobre o eleitoralismo. Entre eles estão a renúncia do Executivo a tomar medidas compensatórias do chumbo da Contribuição de Sustentabilidade, a decisão de venda tão lesta quanto possível do Novo Banco e os termos do acordo de concertação social em torno do aumento do salário mínimo nacional, parcialmente financiado à custa da Segurança Social. A pressão do CDS e de setores do PSD no sentido da redução do IRS em 2015, nem que seja por via do aumento de diversas taxas "verdes", fortalece essa perceção de risco eleitoralista.
Não digo que o risco não exista, nem deva ser combatido. Mas não vale a pena substituir a análise pela dramatização.
Para a análise, o argumento do eleitoralismo é o seu quê forçado. Primeiro, porque é da lógica do desdobramento temporal da competição eleitoral democrática que as partes possam lidar com os ciclos à medida dos seus interesses e capacidades. Qualquer governo procura gerir o ciclo político a seu favor - e os leitores devem suspeitar conscienciosamente de quem lhes faça promessas de renúncia a esse instrumento tático. São, em geral, falsas promessas. Pelo contrário, esta possibilidade de gestão configura um prémio para governos capazes de assegurar a sua própria estabilidade.
Depois, não seria antes de censurar um governo que, podendo aliviar sacrifícios impostos ou retomar compromissos interrompidos, se recusasse a fazê-lo? No nosso caso, basta ver o andamento da execução orçamental até agosto, conhecida esta semana, para perceber duas coisas: que a punção fiscal é anormal, e que qualquer passo no sentido de reduzir os cortes de rendimentos tem efeito imediato sobre a procura e sobre o aforro, de ambas as maneiras beneficiando a economia e, portanto, as finanças públicas. Só mesmo os fanáticos da destruição das bases sociais da economia (que aliás pululam na imprensa económica) ou então os seguidores do "quanto pior, melhor" (infelizmente frequentes na esquerda dita antigestionária) poderiam pretender uma espécie de interdição dos governos em anos eleitorais.
Porém, o que mais me distancia destas catilinárias contra o eleitoralismo é a triste conta em que têm o povo. O eleitor é, para eles, a velha "tabula rasa" sobre a qual a propaganda poderia inscrever, a bel-prazer, todas as mensagens que quisesse. Não teria memória nem espírito crítico, e assim quaisquer 50 euros a mais no salário anual faria qualquer trabalhador/a esquecer instantaneamente quatro anos consecutivos de insídia, desconsideração e destruição de valor. O povo não é tão néscio como os néscios o pintam...
É melhor discutir a justeza das medidas em si mesmas, e não por serem tomadas em vésperas de eleições. Se as condições do aumento do salário mínimo são criticáveis, é porque a decisão é tardia, significa mesmo assim o incumprimento do acordo de 2006 e faz regressar a uma linha discutível, que é descurar o financiamento da Segurança Social. A ostensiva pressa em vender o Novo Banco e a turbulência que tem causado, na sua gestão, nos funcionários e, sobretudo, nos depositantes, constituem uma enorme irresponsabilidade política, não porque se olhe para o calendário eleitoral (toda a gente olha), mas sim porque se está a destruir valor e a favorecer uma venda ao desbarato, para gáudio de compradores e concorrentes e óbvio prejuízo dos contribuintes.
Quanto às forças de oposição, a questão parece-me simples. Quem tomar os eleitores como um bando de desmemoriados facilmente manobráveis, dispensando-se de apresentar políticas alternativas e limitando-se a reagir ao Governo, aos gritos de eleitoralismo, entrará a perder. Quem, pelo contrário, acreditar na sua capacidade de mobilizar as pessoas em torno de outros princípios e de outros objetivos - que não o sacrifício social em torno de metas não cumpríveis -, quem comandar a agenda política, em vez de se deixar comandar por ela, entrará a ganhar.