Obscurecidas pela catástrofe de Gaza (*), que tira vidas, ficaram as palavras de Bento XVI, em 23 de Dezembro. Eram acerca do "perigoso apagamento" das diferenças do "género". O seu significado perdeu-se, na fúria da resposta: para muitos militantes homossexuais, quem falou não foi o sucessor de Pedro, mas o inquisidor teutónico, Ratzinger, revelando intolerância, insensibilidade e "prepotência".
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O que Bento XVI afirmou foi um conjunto de princípios para a Igreja Católica, para os seus crentes e fiéis, e não um diktat de direito público, para as sociedades laicas, para os membros de outras congregações, ou para o "homem da rua" que acredite em valores diversos.
Mas sendo uma mensagem, e uma reflexão importante, "para dentro", é também uma digressão intelectual que pode tocar o "universo exterior".
A comparação nuclear, que chocou mais os críticos, foi entre o potencial fim do casamento heterossexual, e a morte da floresta tropical. A ideia é a de que há um ecocídio da humanidade, já em curso, e que o obstáculo ao mesmo não é menos urgente do que a protecção da Amazónia.
Todas as metáforas geram agitação. Servem para isso. Mas tem de se ir mais fundo, e mais longe, para discutir em condições.
A aquisição de direitos civis plenos, independentemente da "orientação sexual", é um facto consumado, em todas as sociedades tecnicamente desenvolvidas. Esta igualdade de direitos inclui, obviamente, a possibilidade de uniões entre pessoas do mesmo sexo, e a aquisição de todas as regalias e deveres derivadas desse contrato. Por outro lado, o longo caminho da liberdade de expressão, das garantias de não discriminação e das prerrogativas individuais, do emprego ao lar, são parte da aquisição da Humanidade, no início do século XXI.
Mas tem de se lembrar o óbvio. E o óbvio nunca pode ofender: a continuação da espécie humana depende da relação sexual entre homens e mulheres. Se esta relação se associar ao amor, ao respeito e ao carinho, à compreensão e à igualdade de direitos e deveres, os frutos da mesma crescerão num ambiente favorável, "saudável", no sentido em que fortalece a criança, protegendo-a.
Dizer isto não é tomar posição sobre a adopção de menores (por heterossexuais ou homossexuais), nem sobre a "moralidade" do casamento e da família tradicionais. É apenas tirar uma conclusão, também óbvia: numa sociedade em que só houvesse uniões homossexuais, a perspectiva seria a morte da Humanidade. Ou, como nas distopias ("utopias negativas"), o engendrar de um mecanismo tecnológico, que permitisse a criação de uma nova espécie, baseada em seres laboratoriais, feitos pela manipulação genética, ou andróides de satisfação.
Pode argumentar-se que um casal homossexual será sempre capaz de contratar uma "barriga de aluguer", responsável mecânica pela criação do humano que viria a ser o "filho" daquela união. Mas transformar isto numa regra, num princípio, ou numa curva estatística, criaria uma nova categoria, a do procriador profissional, e retiraria à paternidade e maternidade biológica qualquer sentido afectivo. As crianças passariam a ser um bem de aquisição e troca. E entrariam, podemos estar certos, na bolsa de valores.
(*) No turbilhão, pede-se uma regra simples: que o Hamas deixe de bombardear os civis israelitas que não o atacam, e que Israel não bombardeie os civis palestinianos que não a atacam. E que não se usem civis como escudos. Ou como lanças.