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Passei do outro lado da rua e lá estavam eles, um pai com um filho ao colo (que deveria ter uns dois ou três anos) a olhar para uma obra. A criança apontava para a escavadora de olhos arregalados e o pai, tentando acompanhar o entusiasmo, abria os olhos também, a ver se encontrava o mesmo interesse naquele gigante mecânico. Sorri ao vê-los, recordando a época em que também tinha de ficar a ver as obras do bairro, disfarçando o tédio profundo, enquanto o meu filho saciava o seu fascínio por máquinas da construção civil.
O interesse por escavadoras, betoneiras, gruas e essas maquinarias começou por altura do seu primeiro Natal (quando o avô paterno lhe ofereceu um conjunto de escavadoras de plástico) e rapidamente se tornou tão óbvio, que todos na família lhe foram oferecendo coisas relacionadas. De repente, tinha todo o tipo de escavadora (de madeira, de Lego, do Bob o Construtor), tinha livros com escavadoras como protagonistas (como a “Escavadora e a flor”, favorito imediato), pijamas e cuecas com desenhos de escavadoras, bolos de aniversário decorados com escavadoras a empurrar “terra” de chocolate e até uma pintura a óleo feita pelo avô de uma escavadora amarela.
Durante toda essa fase, tínhamos de levar sempre connosco um saco com várias escavadoras de brincar (a famosa “saca das pás”) para que pudesse escavar na areia da praia, na caixa de areia do parque infantil, na terra do quintal, na gravilha que encontrasse em qualquer parte, ou até na água do banho.
Com o tempo, o interesse foi desvanecendo e um dia (com uns quatro anos), na escolha anual de brinquedos para doar, decidiu dar todas as suas escavadoras de uma vez só. Sem hesitar, juntou-as todas numa pilha e eu, mais saudosa do que ele, perguntei duas vezes se tinha a certeza. Anuiu. Desfez-se das suas “pás” todas e não voltou a perguntar por elas. Acho que a isso se chama crescer.
Desde então, tem tido muitos outros interesses. Alguns dos quais partilho (como pedras e cristais), outros igualmente incompreensíveis para mim (como cartas Pokémon), mas como há coisas que nunca mudam e ele tem alma de engenheiro, insiste em fazer robôs com restos de metal e pequenos eletrodomésticos avariados. Vem com as peças na mão e diz que quer trabalhar a sucata para construir robôs. Ora eu, que não percebo nada de bricolage e muito menos de robótica, tento convencê-lo a usar rolos de papel higiénico e peças de Lego, como nos anos oitenta. Mas por muito que insista, com total convicção, em garantir que a imaginação funciona muito melhor do que a eletrónica, ele não parece muito convencido.