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A degradação do ensino do Direito e em geral do Ensino Superior constitui hoje em Portugal um grave problema que o Estado tem de resolver rapidamente sob pena de se transformar num fator de permanente descredibilização do país e das suas instituições mais relevantes. Durante séculos Portugal teve apenas uma universidade. Com a implantação da República, foram criadas, em 1911, as universidades de Lisboa e do Porto. Em 1930, foi criada a Universidade Técnica de Lisboa e ainda antes do 25 de Abril, apareceram a Universidade Católica Portuguesa (1971), bem como as universidades de Aveiro, do Minho e Nova de Lisboa (1973). Já depois da instauração da democracia foram criadas mais universidades públicas e muitas privadas, bem como mais duas escolas de Direito nas universidades do Porto e do Minho.
Esperava-se que o aparecimento da concorrência entre o ensino público e o privado se traduzisse num aumento da qualidade do «produto», ou seja, numa melhor preparação científica dos estudantes. Mas não. A qualidade geral do Ensino Superior em Portugal desceu substancialmente. O que se ganhou com o aumento da quantidade não compensou, nem de longe, o que se perdeu com a diminuição da qualidade. O nivelamento fez-se por baixo e as universidades públicas perderam quase todas a sua antiga excelência.
Para as universidades privadas o ensino do Direito foi (e é) um ótimo negócio, que rendeu (e continua a render) milhões aos seus proprietários, sobretudo porque o Estado se demitiu de escrutinar a qualidade desse ensino e, mesmo, de verificar apenas o cumprimento dos requisitos que a lei exigia para o seu funcionamento, tais como o número de doutorados e a existência de bibliotecas, entre outros. No seu funcionamento concreto, algumas delas transformaram-se em verdadeiras associações criminosas como alguns processos judiciais vieram demonstrar. Elas serviram também para vender ou oferecer títulos de «doutor» e de «engenheiro» a muita gente, sobretudo a titulares de cargos políticos que se sentiam diminuídos por serem apenas aquilo que eram. O Estado que as licenciara assobiava para o lado. A primeira e única atuação séria foi a de Mariano Gago, o ministro do Ensino Superior dos governos de José Sócrates, que fechou três universidades privadas por manifesta e escandalosa falta de qualidade.
Nesse panorama de abandono das universidades à lei da selva (outros dirão «às leis do mercado») o ensino do Direito mercantilizou-se e baixou extraordinariamente de qualidade. Praticamente deixou de haver reprovações (quem reprovasse mudava para outra universidade que não fosse tão «exigente») e os estudantes deixaram de ser tratados como alunos e passaram a ser tratados como clientes. Para se obter a licenciatura em Direito passou a ser necessário apenas o cumprimento de dois requisitos: o pagamento das elevadas prestações ou propinas e o decurso do prazo de cinco anos. Mas como isso era muito tempo, em breve se arranjaria uma maneira de o diminuir. E é assim que surge a Declaração de Bolonha em que as universidades reduziram os cursos superiores para três e quatro anos, conforme quisessem. E, assim, hoje, em Portugal, há universidades em que o curso de Direito demora quatro anos a obter-se e outras em que basta apenas três anos.
O chamado Processo de Bolonha é, assim, uma gigantesca fraude aos alunos, pois na maioria dos casos as licenciaturas não passam de bacharelatos sem qualquer valor de mercado. O Estado sabe que as universidades estão a vender gato por lebre e não faz nada para pôr alguma ordem nesse estado de coisas. Limita-se, ele próprio, a não aceitar as licenciaturas e a exigir o mestrado, como acontece, por exemplo, com o acesso ao Centro de Estudos Judiciários, onde o Governo não deixa sequer que os licenciados em Direito façam um exame para entrar no estágio de magistrado.
E a Ordem dos Advogados deverá fazer o mesmo? Deverá exigir o mestrado a quem quer entrar no estágio de advogado ou antes fazer um exame aos licenciados para escolher os melhores?