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Deus, o "Grande arquitecto", criou o universo em seis dias. E ao sétimo, descansou. Não há nada, portanto, neste nosso pequeno Mundo que não possa ser feito em meia dúzia de segundos. É o que pensa, pelo menos, a Câmara Municipal de Aveiro, que decidiu abrir dois "Concursos públicos" para o projecto de 11 escolas, divididas em dois pacotes: um, para a "Elaboração de todas as fases dos projectos de arquitectura e especialidades dos Centros Escolares de Cacia, Parque Desportivo de Aveiro (PDA), Santa Joana, São Bernardo (EB2,3), Oliveirinha e Nariz" e, outro, para a "Elaboração de todas as fases dos projectos de arquitectura e especialidades das Escolas a Requalificar/Ampliar de Eixo, Solposto, São Jacinto, Requeixo e Barrocas".
Para tanto, a dita Câmara Municipal estabeleceu um "generoso" prazo de nove dias - sim, nove dias! - para a entrega dos respectivos estudos e demais documentação exigível por lei. De acordo com os anúncios oficiais dos referidos "concursos" publicados no "Diário da República", 2.ª Série, n.º 176, de 9 de Setembro de 2010 (Anúncios de Procedimento n.ºs 4142/2010 e 4143/3010), os estudos requeridos são ao nível de "Estudo Prévio" para cada uma das 11 escolas (seis mais cinco) e, conforme estabelece o artigo 5.º da Portaria 701-H/2008, de 29 de Julho, devem ter o seguinte conteúdo:
"1. O estudo prévio desenvolve as soluções aprovadas no programa base, sendo constituído por peças escritas e desenhadas e por outros elementos informativos, de modo a possibilitar ao dono da obra a fácil apreciação das soluções propostas pelo projectista e o seu confronto com os elementos constantes naquele.
2. Se outras condições não forem exigidas no contrato, o estudo prévio contém, para cada uma das soluções alternativas apresentadas à aprovação do dono da obra, e sem prejuízo dos elementos constantes da regulamentação aplicável, os seguintes elementos:
a) Memória descritiva e justificativa, incluindo capítulos respeitantes a cada um dos objectivos relevantes do estudo prévio;
b) Elementos gráficos elucidativos sob a forma de plantas, alçados, cortes, perfis, esquemas de princípio, em escala apropriada;
c) Dimensionamento aproximado e características principais dos elementos fundamentais da obra;
d) Definição geral dos processos de construção e da natureza dos materiais e equipamentos mais significativos;
e) Análise prospectiva do desempenho térmico e energético e da qualidade do ar interior nos edifícios e no seu conjunto e dos diferentes sistemas activos em particular;
f) Análise prospectiva de desempenho acústico relativa, nomeadamente, à propagação sonora, aérea e estrutural, entre espaços e para o exterior;
g) Estimativa do custo da obra e do seu prazo de execução."
Pouca coisa, como se vê! Mas, mesmo assim, depois de tudo visto, feito e apresentado - e tudo nos tais generosos nove dias - o critério de adjudicação (dos estudos) é, imagine-se…, "o preço mais baixo"! E não vale apresentar propostas só para duas ou três escolas porque a não apresentação de propostas para as seis escolas no primeiro caso e para as cinco no segundo, "é um factor de exclusão da proposta"! Assim mesmo. É o que manda a alínea d) do n.º 2 do artigo 146.º do Código de Contratos Públicos (DL n.º 18/2008 e respectiva - e sacramental - Declaração de Rectificação n.º 18-A/2008) que aqui não se transcreve mas que tem, nada mais, nada menos do que cinco números, 14 alíneas e 13 remissões para outros tantos artigos que, por seu lado, se desdobram em dezenas de outros tantos números e mais umas centenas de alíneas e assim por diante e sempre de remissão em remissão até à incompreensão total!
Fácil, portanto. Em nove dias - nos tais "generosos" nove dias - fica o problema resolvido. Claro que todos estes estudos e demais decisões técnicas implicam não apenas um técnico mas uma equipa que, também por exigência legal, tem de ser multidisciplinar e envolve, no mínimo uma dezena de técnicos, entre arquitectos, engenheiros e outros especialistas para cada um dos 11 estudos exigidos e a que a Câmara Municipal de Aveiro, eufemisticamente, chama… "concurso"!
Ética, princípios, deontologia, transparência, sã concorrência, seriedade, interesse público, serviço público, gestão rigorosa e outras coisas bonitas que enchem os discursos dos nossos fazedores de leis e de todos quantos teriam por missão fiscalizar a sua aplicação, são coisas que já não fazem qualquer sentido. É o regabofe geral! É o gato todo de fora, com rabo à mostra e tudo!
Mas Aveiro é caso único? Não. Há muitos Aveiros por todo o lado e não só nas áreas dos projectos e dos "concursos"! Não sei onde é que tudo isto vai parar, mas sei que o enterro vai ser bonito, pá!