Cavaco está no exercício legítimo das suas funções. Manuel Alegre é que, no seu papel de candidato, terá dificuldade em, sobre este tema do Orçamento, concertar uma posição com os seus apoiantes do PS e do BE.
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Ao chamar os partidos a Belém, Cavaco Silva envolve-se directamente no processo do Orçamento de Estado. E ainda bem que o faz, ainda bem que se dispôs - esperou até à última - a envolver o seu prestígio de economista, a sua experiência política e, sobretudo, porque é isso que legitima o seu acto, o seu cargo de presidente da República.
Claro que, a partir de agora, o insucesso das negociações para o OE será o seu próprio insucesso e um Orçamento aprovado na Assembleia será (mais) um trunfo seu. A tarefa que tem pela frente não será fácil, apesar de eu estar convencido de que o PSD, com ou sem conversa presidencial, não terá outra saída a não ser viabilizar o OE com a sua abstenção. Acredito mesmo que esse é melhor caminho para o PSD: viabilizar agora com as críticas todas que tiver que fazer para, mais tarde, se for caso disso, recolher os dividendos próprios de quem viabilizou a solução para, usando outra vez a frase de Passos Coelho, "ajudar o país" e "não para ajudar o Governo".
O ideal seria que Cavaco pudesse conversar com os partidos e se encontrasse uma solução o mais abrangente possível, no mínimo abarcando os partidos do arco do poder. Mas Portugal há muito que se afastou das soluções ideais e vai vivendo com as menos más das soluções possíveis.
A chamada dos partidos a Belém deveria servir também - mas Cavaco não o fará certamente, porque isso significaria um confronto directo com todos os partidos, um agudizar da crise política não desejável neste momento - para que se revelasse o que divide os partidos, o que os une e o que os separa. Deveria servir também para que ficasse claro que BE e PCP não fazem parte deste "campeonato", pois só vetam soluções. Centrais sindicais e patronato também deveriam passar por Belém. O país tem o direito de saber o que pensam desta crise os políticos e os parceiros sociais. Que análise fazem, que soluções preconizam. Cavaco Silva está em condições de ouvir todos eles e de transmitir aos portugueses um balanço da situação.
Independentemente de se saber quem fala verdade, o país não pode, perante uma crise como a que vivemos, ver o líder da Oposição reclamar testemunhas para as suas conversas com o primeiro-ministro. Aceitarão os portugueses saber que o primeiro- ministro que têm ou o principal candidato a primeiro-ministro - um deles - mente sobre assuntos desta gravidade? Estaremos assim tão perto de, sob o ponto de vista ético, bater no fundo?
Uma nota mais: Manuel Alegre quis puxar Cavaco para a posição de candidato quando mais lhe convinha a ele. Cavaco resistiu, e bem. Não restam assim dúvidas de que, embora todos saibamos que vai ser candidato a segundo mandato, está em pleno exercício das suas funções e munido de toda a legitimidade para dialogar com os partidos. Manuel Alegre, no seu papel de candidato, é que terá dificuldade em, sobre este tema do Orçamento, concertar uma posição com os seus apoiantes do PS e do BE.