Os contribuintes portugueses estão demasiado <i>esforçados</i>. Não concordo com o <i>esforço fiscal </i>que entre nós é praticado. É o mais elevado da Zona Euro.
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A minha discordância não é de agora, mas agora empederniu. Se discordava do esforço fiscal há dez anos, quando formulei, pela primeira vez, uma proposta de reforma estrutural do Estado - reforma que, deploravelmente, continua por fazer -, acontece que, entretanto, as coisas pioraram. Pioraram muito. A crise financeira de 2008 e o programa troikiano provocaram um maior agravamento dos impostos e contribuições. O actual esforço fiscal asfixia a economia, desmotiva os cumpridores e incentiva os incumpridores, cria injustiças e degenerescências, distorce e complica o sistema, é anti-competitivo.
Todos os impostos e contribuições...
Por vezes, nestas coisas do peso de todos os impostos e contribuições, vemos Portugal confortavelmente colocado a meio, ou melhor, abaixo de meio, das comparações internacionais. É um engano. Tais comparações usam a chamada "carga fiscal" e não a destrinçam do "esforço fiscal". A "carga fiscal" é o vulgar rácio que olha às receitas fiscais e parafiscais e olha à dimensão da economia (o PIB), mas não olha ao facto de ela ser mais ou menos desenvolvida (o PIB per capita). Ora, em princípio e dentro de limites de razoabilidade, podemos admitir que um país mais desenvolvido possa suportar uma percentagem maior de "carga fiscal". É aqui que o "esforço fiscal" permite uma aproximação, ao ponderar a "carga fiscal" com uma medida do nível de vida e bem estar de cada país, ou do poder de compra dos seus habitantes (o PIB per capita em paridade de poderes de compra). Esta ponderação dá-nos um novo índice desprovido de unidades físicas ou monetárias. Pode ter as suas limitações, pode ser de leitura não imediata, mas é, para efeitos comparativos entre países, ou entre épocas, muito mais aconselhável do que o uso, apenas, da "carga fiscal".
Podemos encontrarvárias maneiras de definir e medir o "esforço fiscal". Contudo, se tomarmos as observações estatísticas mais recentes, Portugal aparece sempre, tanto quanto vi, em posições de esforço fiscal extremo dentro da Zona Euro.
As comparações de Portugal em 2013...
Se ordenarmos pela "carga fiscal" em 2013, teremos Portugal 6 pontos percentuais (pp) abaixo da média da Zona Euro (34,9% contra 40,9%). Se, porém, ordenarmos pelo "esforço fiscal", teremos Portugal muito acima da média da Zona Euro e remetido para o posto cimeiro dos esforçados, como o leitor pode ver no gráfico que junto.
Espanha tem uma "carga fiscal" (33,1%) um pouco abaixo da nossa, mas tem um "esforço fiscal" muito inferior. Mesmo assim, Espanha acaba de anunciar desagravamentos fiscais de monta, o que, claro está, piora ainda mais a nossa competitividade fiscal na península Ibérica.
Irlanda, um caso troikiano por razões distintas das nossas, consegue estar muito longe das nossas posições. Tem a menor "carga fiscal" (29,9%) de toda a Zona Euro. E tem o segundo menor "esforço fiscal".
Alemanha e Holanda, os maiores prosélitos da austeridade e dos programas troikianos que foram aplicados a nós e a outros, estão praticamente repousados e geminados em cada um destes indicadores. Têm uma "carga fiscal" quase 5 pp acima de nós (casa dos 39 a 40%), mas têm um "esforço fiscal" muito abaixo do nosso.
Bélgica, França e Finlândia têm as maiores "cargas fiscais" da Zona Euro, tocam-se na casa dos 45 a 46%, estão uns 10 a 11 pp acima de nós. Mas no "esforço fiscal" estão bastante abaixo de nós.
O caminho reformista do lado da despesa...
O lado da receita fiscal está, pois, já muito esforçado. Precisamos de o moderar. Esta moderação impõe que a actuação estrutural do lado da despesa passe a ser predominante, mediante: vias reformistas ao nível das funções e fins do Estado e ao nível dos regimes públicos; vias para-reformistas ao nível dos processos de orçamentação e execução da despesa; da organização e dos ganhos de eficiência; das grandes despesas civis e militares (submissão a análises custo benefícios); das instituições de vigilância das finanças públicas, etc.
Os nossos impostos vêm sendo permissivos dos excessos de despesa pública. Esta "permissividade" tem sido, em si mesma, um gesto fidalgo do Reformador absentista. Todavia, o elevado esforço fiscal retalia. É a desforra de Laffer em sentido mais amplo. Quem sofre as represálias? É a economia, o crescimento e o emprego, é o Estado e as suas finanças estruturais, pode ser a democracia.