Farto de ver imagens de desgraças resolvi iniciar a crónica de hoje com beleza pura. Mas igualmente rara. Peço aos leitores que tenham calma, porque só alguns serão capazes de descortinar essa beleza antes do parágrafo final. Não esqueço, nem quero nunca esquecer, que escrevo em Portugal num jornal que é feito do Porto para o Mundo, com especial atenção ao mundo que existe e vive no Norte de Portugal.
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Devo dizer desde já que este facto não me diminui, nem me intimida. Pelo contrário, valoriza-me e aumenta a minha responsabilidade.
Para os mais velhos, que ainda se lembram, e para os mais novos, que foram capazes de o aprender, foi do Porto e do Norte que partiram quase sempre as pessoas e os recursos que fizeram Portugal maior do que parecia condenado a ser em momentos fatais da sua História.
Esta espécie de predisposição das gentes do Porto e do Norte para inventar ou procurar trabalho quando ele rareia à porta de casa, ou nos locais habituais, e esta categoria de generosidade que se traduz em pôr sempre os valores da liberdade e da solidariedade à frente dos egoísmos (até legítimos) é, mais do que uma característica, uma questão de carácter. Que eu enalteço, mas de que também me orgulho sem falsas modéstias.
Há uns anos, escrevi que ser do Porto era uma urgência e hoje apetece-me dizer que Portugal tem urgência em revisitar este paradigma de povo.
Em todas as crises que atravessamos, das mais antigas às mais modernas, foi sempre deste canto superior do nosso cantinho à beira-mar plantado que as soluções brotaram.
Sempre que faltou o trabalho e com ele os meios de sustento, não foi de Lisboa ou do Vale do Tejo ou do Algarve que saiu o grosso dos portugueses que palmilharam mundo e passaram fome para mudar a sua vida e a dos seus.
Aqueles que hoje vivem nas duas únicas regiões que convergiram com a União Europeia estão uma vez mais à espera que os nortenhos e os beirões se ponham novamente a caminho para que, mais cedo ou mais tarde, o seu nível de vida possa recuperar o esplendor ameaçado.
Claro que este feitio também tem defeitos. Desde logo o "defeito" da personalidade. As pessoas e as coisas do Porto e do Norte, no geral, não são, como hoje se diz, suficientemente transversais. Os paninhos quentes e a vontade de agradar a todas as bocas não fazem realmente parte do nosso ADN.
Somos bons a comer, mas maus para comer. Somos razoáveis a dar de comer, mas péssimos a sermos comidos. Então por parvos...
Se as tripas à moda do Porto não ficaram como uma das 7 Maravilhas da Gastronomia nacional, não é pelo que valem ou pelo que sabem. É porque não são tão transversais ou tão fáceis de comer ou imitar como o pastel de Belém ou o caldo verde.
É nestas alturas e neste tipo de eleições que eu recordo, sem medo, que a democracia é um sistema que nem sempre ajuda a escolher os melhores. E que também revivo a lição que o futebol e a economia me deram e dão desde tenra idade, de que nesta Região, para ser primeiro, é preciso trabalhar muito mais do que o normal para ser melhor do que o segundo.
Para os leitores que perderam a promessa de beleza no final do primeiro parágrafo, aqui fica a notícia de uma beleza explícita: foi uma angolana que conquistou ontem, em S. Paulo, o título de Miss Universo.
Uma vitória rara para uma beleza, apesar de tudo, menos rara. Aposto que a Leila Lopes teve mão portuguesa. Ou até mais do que uma mão...
Uma mão do Norte, para quem já tinha a malícia a lembrar-lhe um qualquer pecado capital.