Depois de amanhã, celebra-se o Dia de Portugal. Mais extensamente, de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.
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Em tempos, era designado por "Dia da Raça" e invariavelmente comemorado no Terreiro do Paço, onde se homenageavam, a partir de certa altura, os mortos do Ultramar.
No primeiro 10 de Junho do seu mandato, Marcelo - e com ele a nação democrática, civil e militar - regressou sem complexos à Praça do Comércio. Quarta-feira, com o "comemorado" em "estado de calamidade" pública de papel, e, especialmente, com a zona de Lisboa e Vale do Tejo solta e descontraída, a exibir o maior número de infectados covid por dia, o presidente da República decretou uma "cerimónia simbólica" nos Jerónimos. Marcelo não quis ser "apanhado", como no "25" e no "1.0 de Maio", pelas habilidades da "situação" dominada por socialistas, pelo PC e pelo radicalismo.
Oito venerandas criaturas, as do topo na hierarquia do Estado, assistirão ao melancólico exercício nos claustros. Serão abençoados por uma prédica do sr. cardeal e poeta Tolentino Mendonça, e pela indispensável exaltação patriótica presidencial. Todavia, nada existe circunstancialmente para comemorar. A "raça" não se recomenda. Camões há muito que foi substituído por poetastros menores e esquecíveis.
As "comunidades" estão-se muito adequadamente nas tintas para isto e festejam em casa. E Portugal, dividido pelo covid em duas nações - uma, a oficiosa, que consente e pratica manifestações e comícios, partidários ou meramente folclóricos, sem preocupações com o distanciamento social, e que impõe "regras" à segunda, a do "povo" silencioso que não pode ir ao futebol, às feiras, às romarias ou às festividades locais sem o controlo apertado das "autoridades" -, transformou-se numa espécie de China dos pequeninos e para pequeninos: um país, dois sistemas, um chefe. O chefe, de casaco apertado para as televisões, inaugura a estação balnear numa praia do Algarve. O chefe promete o regresso em força do aeroporto da Portela para os turistas e sem quarentenas.
O chefe só assiste a espectáculos do regime por artistas do regime. O chefe procede como se o ministro das Finanças já não existisse. O chefe inventa um homem de palha, incensado pela matilha habitual, para destratar o ministro das Finanças que, com sensata ironia, explicou que o país não precisa de nenhum "homem novo" português a dez anos de vista. Etc. É este o "esplendor de Portugal" que querem "levantar", na quarta-feira, num encontro lúgubre, e praticamente confidencial, ao lado do cadáver incorrupto de Fernando Pessoa? Façam favor.
(O autor escreve segundo a antiga ortografia)
* Jurista