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O estimado leitor e a gentil leitora conhecem, decerto, o provérbio Zen segundo o qual, quando um dedo aponta para a Lua, o sábio ergue o olhar para o astro no firmamento enquanto o tolo se concentra em observar o indicador. Mal comparando, este adágio parece descrever a realidade tal como aparece refletida em grande parte das esotéricas discussões promovidas no espaço público e mediático: em vez dos problemas essenciais que afetam a generalidade dos cidadãos, empanturram-nos com a contemplação dos múltiplos e acessórios dedos que se erguem para agitar querelas que apenas interessam a fações minoritárias da população.
Das tentativas de reescrever a História a esdrúxulas subtilezas de linguagem, passando por certos malabarismos de comunicação pensados para entreter comentaristas profissionais, o triunfo das irrelevâncias contribui muito significativamente para afastar o cidadão comum dos princípios do Estado de direito democrático e dos partidos tradicionais que o sustentam - sobretudo quando estas agremiações embarcam em discussões inúteis convencidos de que assim se aproximam de temas modernos e mobilizadores. Mas a reescrita da História é quase tão velha como a própria História e tem servido, no essencial, para procurar perpetuar regimes autoritários e fascistas, ao passo que as causas ditas fraturantes deixam os eleitores indiferentes. Confundidos pela hermética balbúrdia, estes acabam, na dúvida, por votar nos Trump e nos Milei desta vida.
Conviria, pois, que os partidos do chamado arco do poder em Portugal tomassem consciência do perigo que também aqui corremos. E, já agora, que os meios de Comunicação Social não se demitissem das suas responsabilidades cívicas e éticas, persistindo em amplificar as opiniões de grupos inexpressivos e sem relevância social: mostram-nos todos os insignificantes dedos que se levantam em vão, tomando-nos por tolos, quando nos seria muito mais proveitoso se escolhessem mobilizar a comunidade para a contemplação da lua, para a compreensão dos dilemas que nos cercam e para a definição de um desígnio estimulante para o futuro do país.