É sempre a mesma coisa: lá para junho, julho de cada ano, instala-se uma discussão, entre conhecidos e amigos, sobre o montante de IRS a receber, ou a pagar. Os que pagam queixam-se, por levarem mais um rombo nas finanças. Os que recebem contentam-se, por terem acesso a uma maquia que, por mais pequena que seja, dá sempre jeito para ajeitar as contas caseiras. Todos, ou quase todos, esquecem o essencial da discussão: pagando ou recebendo, integram a legião de portugueses que empresta dinheiro ao Estado a custo zero. Trata-se de um grande negócio. Mas apenas para uma das partes, por acaso a mais forte.
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Este ano, a manigância bateu recordes. O reembolso de IRS (isto é: o dinheiro que o Estado devolveu aos contribuintes) aumentou, nos primeiros seis meses, uns extraordinários 20,4%, relativamente ao mesmo período de 2013. A explicação é muito simples: no ano passado, pagámos todos muito mais impostos do que devíamos. Dito de forma mais crua: emprestámos ao Estado uma "pipa de massa", como diria Durão Barroso, e, em troca, recebemos juros de 0%.
Não é a primeira vez que tal acontece. Nem será, certamente, a última. É por isso que convém denunciar o caso com veemência. Um Estado de direito, como supostamente é aquele em que nos calhou viver, não pode ser fiscalmente amoral. Na relação que mantém com os contribuintes, o Estado pode - e deve - ser exigente. Pode - e deve - lutar contra a evasão fiscal. Não pode - nem deve - é cometer abusos fiscais de forma reiterada.
Quando o contribuinte falha, a máquina fiscal tritura o prevaricador. Persegue-o. Caça-o ao mínimo deslize. Exige-lhe o que pode e o que não pode. Vira-o de pernas para o ar, até que as últimas moedas caiam do bolso. Já quando o Estado falha, a mesma máquina fiscal liga o complicador. Foge às responsabilidades. Eterniza as respostas. Inferniza a vida do lesado. E, como se isto não bastasse, pratica um esquema parecido com a extorsão. Extorsão? Sim, extorsão: recurso à ameaça para obter dinheiro de alguém; imposto excessivo; contribuição forçada para um determinado fim.
Sobra-nos uma escassa esperança. Este esquema, ética e moralmente inaceitável, tem um limite temporal. O Estado está a pagar este ano uma elevada fatura pela usurpação indevida que programou para 2013. Se assim continuar, um dia a coisa estoura, a menos que se continue a aumentar indefinidamente os reembolsos, hipótese bastante improvável. O problema é que, para o Estado, as costas folgam enquanto o pau vai e vem; para o contribuinte, os açoites fiscais não têm fim.
Estamos, portanto, perante um Estado que aplica ao "seu" povo um sucedâneo do velho esquema do italo-americano Carlo Ponzi, por cá conhecido como o esquema da Dona Branca. Ponzi fez fortuna nos EUA, nos anos 20, entregando "juros" altíssimos aos investidores, à custa do dinheiro pago pelos que entravam posteriormente na rede. Acabou deportado para Itália, mas foi aclamado por muitos. Azar: não podemos deportar o Estado. Sorte: podemos não aclamar o Estado.