A instituição de um "discurso do estado da nação" é um americanismo inútil. Para além do símbolo, da pompa e da circunstância, não se pode pretender, num dia, averiguar da real saúde da comunidade nacional.
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Mas pode ser um bom pretexto para investigar, com a minúcia necessária, o estado do Estado.
A impressão geral, reconhecida pelo observador mais distraído, é a de que as políticas do actual Executivo (que representa o Governo, que representa o Estado, que representa a nação), e as estratégias oposicionistas, estão cada vez mais determinadas pela próxima eleição legislativa.
Veja-se que a imagem de marca do socratismo, a de um modelo reformador corajoso, duro e justo, e "desenvolvimentista", gastador com método, começa a ser suavizada por diversas "concessões": à "sociedade civil" em fúria, com o abandono da Ota, aos médicos e utentes em fúria, com a saída de Correia da Campos, aos pescadores e camionistas em fúria, com pacotes financeiros e fiscais, isenções e bónus, aos agricultores em fúria, pela alegada retirada do ministro das negociações, aos contribuintes em fuga, pela proposta de arbitragem e conciliação, em vez de tribunal e execução.
Quanto à Oposição, também muda. Num meio onde se revela outra vez a pobreza, as carências básicas, a insegurança pública, o crime violento, a desnacionalização de decisões, o PSD está mais "justicialista" e menos "liberal", o PCP mais "soberanista" e "securitário", e menos "internacionalista" e "dissidente", o BE mais "populista" e "rigoroso", e menos "libertário - elitista". Quanto ao PP, mantém, coerentemente, o discurso e a prática, mas parece ultrapassado por toda a publicidade (enganosa ou ardilosa) dos rivais.
Sem discutir a matéria mais ponderosa (e provavelmente indecifrável, nesta geração) do "destino nacional", e sem gastar volumes a escrever sobre as condições de "independência" pátria, todos parecem diagnosticar o mesmo, naquela pequena parcela da realidade que se chama "governo".
É uma parcela que incarna o "estado", mas não se confunde - ou não devia confundir-se - com ele.
Tem a ver com a execução de políticas prometidas no ocaso do "Executivo de Verão" de Santana Lopes.
Tem a ver com a promessa de políticas no "novo PS", com "novas fronteiras", que sucedeu ao tradicional mandato de Ferro Rodrigues. De certa forma, retoma, reabilita, aumenta e melhora (sobretudo na comunicação) o legado de António Guterres.
Há, no centro, uma espécie de ovo de Colombo. É preciso diminuir (ou, idealmente, eliminar) as redundâncias do Estado? É. É preciso combater o desperdício, a irracionalidade, a obsolescência e a "gordura" no aparelho público? Claro. É preciso reduzir gastos e obter mais receitas? Evidentemente. É preciso desenvolver, de forma sustentada, aquilo que era incipiente, das infra-estruturas à capacitação? Todos o reconhecem.
O "socratismo" é assim filho, em primeira linha, não da ideologia, mas do senso comum. Das evidências. Do "consenso".
O diabo, como sempre, está nos pormenores. Os bons programas, as boas intenções, as boas palavras do Governo, foram executadas de forma correcta, ou produziram efeitos contrários aos que pretendiam? E, no balanço de perdas e ganhos, resolveu-se mais ou agravou-se mais o estado do Estado?
Essa a questão - maior e menor - que interessa esclarecer. Mas não se esperem juízos definitivos. Isto é, antes de 2009, onde convirá saber o que dizer, quando o galo cantar duas vezes.