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Há um ano, a propósito da fuga na cadeia de Vale de Judeus, falei aqui de um Estado com a solidez das caixas de papelão, por não ter a capacidade de assegurar eficazmente as suas funções mais básicas. Nelas se inclui a proteção de pessoas e bens, uma garantia que, como agora se constatou tragicamente com o acidente no Elevador da Glória, continua sem ser dada a cidadãos nacionais e estrangeiros.
A gravidade deste acontecimento não pode nem deve ser escamoteada: é um incidente lamentável, difícil de conceber numa capital europeia e que atinge seriamente a reputação do nosso país enquanto destino turístico. Além disso, soma-se a uma longa lista de falhas do Estado nas últimas décadas, que continua a exibir uma incompetência generalizada ao nível da manutenção de infraestruturas e da prevenção de acidentes graves - à cabeça, ocorrem exemplos mais longínquos, como Alcafache ou Entre-os-Rios, mas também episódios recentes, como os incêndios de Pedrógão ou a estrada nacional que ruiu em Vila Viçosa.
Expressar solidariedade com as vítimas é uma obrigação moral, mas não é o único resultado que se exige nestas circunstâncias. É fundamental apurar factos, responsabilidades e, sobretudo, compreender as causas que estão na origem dos acidentes, para atuar de forma preventiva no futuro. No caso do Elevador da Glória, por exemplo, é incompreensível que o investimento em manutenção tenha mais do que duplicado em dez anos, mas isso não corresponda a uma operação mais rigorosa que, entre outros aspetos, garanta a eficácia dos meios de segurança redundantes.
Dito isto, é preciso fazer também uma reflexão cívica sobre este caso. Fazer política em cima de cadáveres é, em si mesmo, uma desgraça que acresce à componente social e humana desta tragédia. Nos últimos dias, não se tem feito outra coisa, usando e abusando de um triste acontecimento para obter ganhos eleitorais nas próximas autárquicas.
Todos os envolvidos deviam ter o bom senso de evitar fazê-lo e transformar a política - seja nacional ou local - num circo mediático, onde a demagogia e a propaganda se substituem ao debate racional e informado. É isto que desqualifica a vida pública, desprestigia as instituições e leva a que cidadãos decentes não queiram fazer parte deste espetáculo.