O Estado português continua a ter hábitos de rico e a ser o sustento de uma legião de pequenos lordes. São elites transversais a governos e partidos, com vícios lisboetas que Camilo e Eça já descreveram em detalhe. Muito do depauperamento das contas públicas encontra-se em práticas de gestão que parecem feitas de propósito para alimentar o populismo.
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À cabeça do problema está o ex-líbris das empresas públicas falidas, a TAP. Participei há dias num debate da RTP sobre o futuro da companhia (coisa que se debate, em permanência e sem solução, há quase 40 anos), no qual esta esteve representada pelo seu presidente da administração. Miguel Frasquilho, que, já antes da reversão da nacionalização, tinha falhado compromissos e dado o dito por não dito perante autarcas e representantes de instituições do Norte, consegue um feito de enorme equilibrismo ao integrar a empresa enquanto ela era privada, mantendo-se alegremente na gestão agora que ela é pública. O mesmo equilíbrio que atinge enquanto militante e ex-governante do PSD e gestor tutelado por Pedro Nuno Santos.
Frasquilho volta a ser notícia, não por alegadamente ter recebido quase cem mil euros do saco azul do Banco Espírito Santo (do qual foi funcionário), não por esse dinheiro ter, alegadamente, entrado nas contas bancárias dos seus pais e do seu irmão, o que, segundo a imprensa, pode constituir alegada fuga ao fisco; mas, agora, por causa do seu ordenado.
Miguel Frasquilho ganhava 12 mil euros mensais e, em outubro, foi aumentado para 13 500 euros. Depois de se saber deste aumento, passados três meses, o presidente da TAP veio renunciar a ele, para, segundo diz, "ficar tranquilo". Frasquilho ganha o dobro do presidente da República para ocupar um cargo não executivo numa empresa falida, em reestruturação profunda, num setor em crise, que vai receber quatro mil milhões dos contribuintes portugueses e despedir cerca de dois mil trabalhadores? Sim, é verdade. E, para cúmulo, ainda vai conduzir as negociações com os sindicatos com vista à diminuição de pessoal e à redução de salários e regalias. Estamos em Portugal e o Estado não muda. Continuamos a não aprender nada.
Empresário e presidente da Associação Comercial do Porto