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Fumador que sou, agradeço de coração ao Estado sempre que aumenta, via impostos, o preço do tabaco, ou sempre que proíbe mais isto e mais aquilo, na tentativa de reduzir os danos causados pela nicotina. Há quem veja no cerco ao consumo de tabaco uma espécie de sanha persecutória potencialmente violadora das liberdades individuais. A discussão é interessante, mas deve ser feita à luz da potência dos factos: o consumo de tabaco é, em Portugal e no Mundo, a principal causa de morte evitável; uma em cada cinco mortes por cancro é atribuível ao tabagismo; de entre as cerca de 15 mil pessoas que todos os anos falecem no nosso país por doenças atribuíveis ao tabaco, há duas mil vítimas do chamado fumo passivo; o que o Estado arrecada em impostos é semelhante ao que gasta a tratar doenças relacionadas com o consumo de tabaco (cerca de 1,5 mil milhões de euros por ano).
Isto, que congrega um difícil balanço entre direitos e deveres, é uma coisa. Outra, bem diferente, é a que o Governo se propõe fazer à boleia da quarta alteração à Lei do Tabaco. Proibir a venda de cigarros em cafés, restaurantes e gasolineiras, acabando de permeio com as máquinas automáticas, resulta numa intromissão absolutamente exagerada e desajeitada do Estado na vida das empresas privadas. Mais do que isso: ao desviar propositadamente o negócio para um pequeno número de comerciantes, o Governo beneficiará uns em prejuízo de outros, o que não é coisa aconselhável numa (suposta) economia de mercado.
Por muito nobre que seja a causa, há limites que convém não ultrapassar. Desafios societais como o da luta contra o tabaco requerem persistência nas políticas e inteligência na comunicação. Não requerem, com toda a certeza, um Estado pai e mãe de consumidores e empresas privadas.
*Jornalista